Avançar para o conteúdo

A metodologia do relatório Empregos para o Clima em Portugal: como calculamos os empregos, as emissões e os custos?

Esta nota pela equipa editorial da nova edição do relatório Empregos para o Clima em Portugal explica e defende a metodologia utilizada na preparação do relatório.

§1. Se queremos evitar o colapso climático, precisamos de uma transição energética justa, a qual exigirá uma profunda transformação na produção, na distribuição, no consumo e na gestão, de quase todos os sectores da economia. Será necessário mobilizar muitos recursos financeiros e humanos de forma a reorganizar infraestruturas, redirecionar produção industrial para novos produtos ou novas tecnologias, requalificar trabalhadores para novos empregos, etc.

No que diz respeito ao contexto socioeconómico em que acontece esta transição, a campanha Empregos para o Clima reivindica que a implementação das medidas identificadas para corte de emissões, e a criação de empregos para realizar os trabalhos necessários não estejam dependentes dos mecanismos de mercado. Pelo contrário, defendemos que uma transição energética justa se traduz na criação de empregos públicos e dignos.

Sabemos que o custo de não fazer a transição é um planeta inabitável. Mas quanto custará a transição? E quantos empregos serão necessários para a executar?

§2. A esmagadora maioria dos planos de transição justa começam por um modelo económico. Os investigadores alteram alguns parâmetros, como investimento ou preços, correm o modelo, e chegam a vários futuros possíveis. Como resultado, os modelos preveem corte nas emissões e criação de empregos. Ou seja, os modelos “recebem” dinheiro e “devolvem” empregos e cortes nas emissões.

Esta abordagem macroeconómica tem várias vantagens:

1) Estes modelos, apesar da sua diversidade, são bem estudados. Por isso, têm um alto nível de credibilidade no mundo académico e no mundo político.

2) Os modelos podem ser corridos com diversos planos de investimento e financiamento, resultando em diferentes cenários futuros, em termos de emissões e empregos. Desta forma, a sua análise, por comparação, permite entender as lacunas nas políticas climáticas.

3) Os modelos são bastante generalizáveis e por isso um cenário para uma economia pode ser extrapolado para outras economias de forma relativamente suave.

4) O dinheiro é fácil de seguir: nós sabemos com bastante clareza que investimentos, subsídios e custos existem de momento para políticas climáticas. Assim, podemos ser críticas em relação às declarações dos governos, e podemos questionar o cumprimento dos seus compromissos. Mesmo assim, no mundo neoliberal, todos os governos falam a mesma língua, a do dinheiro. Por isso, começar por dinheiro e prever o resto simplifica a colheita de informação.

§3. O movimento laboral e o movimento pela justiça climática têm razões justas para desconfiar do discurso que resulta destes modelos.

§3.1. Quando estamos a falar em fechar uma central termoelétrica, dizer que “vai haver outros negócios” e que “novos empregos vão ser criados” nada diz às comunidades que dependem dessa
central nesse momento. Os trabalhadores ouviram ao longo de décadas falar dos tais empregos que “vão ser criados” porque um modelo disse que iam aparecer.

A situação agrava quando os modelos misturam empregos diretos com empregos indiretos e empregos induzidos, que muitas vezes são meras especulações, no melhor dos casos, e truques contabilísticas para manipular a comunicação, no pior dos casos.

Assim, o movimento laboral só acredita na criação de emprego quando é divulgado um plano de contratações.

§3.2. Similarmente, investimento em energias renováveis ou aumentos no preço do petróleo não implicam necessariamente uma redução das emissões.

Mais renováveis implica mais renováveis. Para que tal se traduza em menos combustíveis fósseis, precisamos de mais do que os mecanismos de mercado, como os últimos anos mostraram empiricamente.

Aumentar o preço do petróleo pode apenas implicar que as pessoas paguem mais por ele, sem que haja reduções no consumo. Isto acontece quando a mobilidade é uma necessidade, e quando não existem outras opções viáveis, como mostrou o movimento dos coletes amarelos.

Consequentemente, o movimento pela justiça climática acredita em cortes nas emissões só se forem divulgados cortes nas emissões.

§3.3. Para além disso, medidas que reduzem emissões não implicam necessariamente criação de empregos. Por exemplo, no caso do setor pecuário, a intensificação e aumento da produtividade animal, ou seja, um aumento do output (por exemplo leite) produzido por cada animal, para a mesma quantidade de inputs (rações, etc.), significa uma redução das emissões por unidade de produto. E isto pode ser feito sem que novos empregos sejam criados.

Contudo, a Campanha empregos para o Clima procurar encontrar respostas para as duas crises, climática e laboral, e integrar as exigências dos dois movimentos.

§4. No relatório Empregos para o Clima em Portugal, utilizamos uma metodologia que consideramos mais com os pés na terra.

Começamos com a realidade: identificamos as emissões de gases com efeito de estufa, por setor.

Posteriormente, estudamos quais as medidas que devem ser implementadas para cortar emissões em cada setor. Por exemplo, no que diz respeito ao uso de energia: é necessário reduzir o uso de energia melhorando a eficiência energética dos edifícios, aumentando a oferta e o uso dos transportes públicos, e racionalizando a produção e a distribuição; ao mesmo tempo que é preciso encerrar as infraestruturas fósseis e abrir centrais e infraestruturas de produção de energias renováveis, de modo a atender às necessidades energéticas.

Depois, calculamos o número de empregos necessários para implementar cada uma das medidas identificadas.

Em seguida, estimamos a redução das emissões resultantes de cada medida, e em alguns setores com uma precisão bastante elevada. Por exemplo, nós sabemos exatamente quantos empregos são necessários para descarbonizar completamente a indústria energética, porque os dados existem, e porque fechar as centrais e as refinarias descarboniza este setor. Por outro lado, apesar de conseguirmos estimar quantos empregos são necessários para triplicar a oferta de ferrovia, não nos é possível estimar rigorosamente – pelo menos com os dados existentes hoje – o impacto desta medida no uso de carros individuais.

Desta forma, temos uma noção do que tem de ser feito, de quem deve fazê-lo, e dos cortes de emissões associados.

Antes de passarmos aos custos, confirmamos se dada medida reduz ou aumenta o número de empregos. Na edição anterior do relatório, concluímos que a criação dos Empregos para o Clima teria um impacto líquido positivo de 100 mil postos de trabalho.

Finalmente, estimamos os custos associados a esta transição.

§5. Esta nossa abordagem tem várias vantagens.

Em primeiro lugar, um corte drástico nas emissões tem de ser realizado independentemente do modelo socioeconómico em que acontece. Ou seja, a necessidade de conduzir a transição é independentemente de se esta acontece numa economia financeira, numa economia neoliberal, numa economia social, numa economia estatal, ou numa mistura destas. Os nossos cálculos dependem apenas da realidade.

Isto é importante, porque quando uma casa estiver a arder, é preciso saber exatamente o que fazer: não é incentivar alguém, não é modelar os preços, é pegar no extintor e parar o incêndio, ou então chamar os bombeiros para o fazerem. Manter o foco no que deve ser feito, e não confiar nos mecanismos de mercado para que algo “aconteça” é essencial, particularmente quando estamos na década de ação que definirá o futuro da sociedade.

Uma outra vantagem é a de que as nossas contas se traduzem imediatamente em reivindicações políticas: a campanha exige a criação destes postos de trabalho no setor público, já. O relatório da campanha dá planos de contratação bem mais concretos do que os modelos macroeconómicos.

§6. Reconhecemos também que existem desvantagens na nossa metodologia.

Em primeiro lugar, calcular os custos de criar infraestruturas, infraestrutura por infraestrutura, é difícil e resulta numa maior margem de erro. Isto porque não existem dados generalizados: sabendo os custos de uma central eólica num sítio, continua a ser difícil extrapolar essa informação para deduzir os custos de uma nova central eólica num outro sítio.

Em segundo lugar, alguns setores são extremamente complexos, não sendo possível desagregar informação de uma forma eficaz. Por exemplo, na agricultura, a descarbonização passaria por, entre outros, gradualmente substituir a proteína animal por proteína vegetal, fazer uma gestão mais eficiente dos efluentes pecuários, aplicar técnicas de conservação dos solos, e diminuir a distância entre produtores e consumidores. Cada uma destas ações tem potencial para aumentar o número e a qualidade de empregos, dependendo do tipo de medidas e sistema agropecuário adotado, mas é difícil estimar os cortes nas emissões delas resultantes, e ainda mais difícil estimar os custos associados. Uma situação semelhante, mas não tão complexa, acontece no setor de mobilidade.

§7. Pelas razões acima mencionadas, no relatório da campanha Empregos para o Clima em Portugal, começamos pelos setores-chave e colocamos quatro perguntas:

1) Qual a origem das emissões?

2) Que medidas devem ser implementadas, de acordo com a ciência climática, para cortar emissões em cada setor?

3) Estas medidas traduzem-se na criação de empregos líquidos?

4) Quantos empregos “cortam” quantas emissões?

Só depois é que perguntamos: Quanto custa fazer isto?

Por outras palavras, tentamos identificar medidas que sigam, dentro do possível, a seguinte linha:

Corte de Emissões → Empregos → Financiamento

Reconhecendo as limitações da nossa metodologia, olhamos também para os modelos macroeconómicos, para comparar resultados. Ou seja, comparamos os nossos números com os números das metodologias que seguem a linha ao contrário:

Financiamento → Empregos e Corte de Emissões

§8. Acreditamos na complementaridade das duas metodologias. Os valores e as prioridades da campanha Empregos para o Clima enfatizam os cortes de emissões e o emprego digno. A campanha existe para combater as duas crises: a crise climática e a crise social de desemprego e precariedade; e para construir uma sociedade justa e sustentável. Por isso escolhemos uma metodologia mais dirigida à atividade real do que os indicadores macroeconómicos.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *