I. Introdução
No actual momento de crise climática, económica e laboral, a campanha dos Empregos pelo Clima faz convergir os três problemas anteriores numa solução.
Para travar as alterações climáticas vão ser precisos cortes drásticos nas emissões de dióxido de carbono e de outros gases de efeito de estufa. Estes cortes vão ser directamente alcançados por um conjunto de políticas que envolvem a criação de vários postos de trabalho, abrandando as alterações climáticas. São precisos trabalhadores para a construção de uma rede de energia eólica, solar, hidráulica e das marés que satisfaçam as necessidades energéticas de todos. Trabalhadores para renovar e isolar termicamente as nossas casas e edifícios, de modo a que consigamos uma melhor conservação energética. Precisamos também de trabalhadores responsáveis pelo funcionamento de uma rede maciça de transportes públicos movidos a energia renovável.
Por outro lado, temos pessoas a precisarem de trabalho. Assim, e com criação de um Serviço Nacional do Clima, propomos que o governo contrate 120.000-160.000 trabalhadores para constituir esta nova rede de trabalhos climáticos. No entanto, a prioridade será dada àqueles que vão perder os seus antigos empregos associados às energias poluentes: aos trabalhadores que estariam em centrais termoeléctricas de carvão ou petróleo e que serão transferidos para as quintas de energia eólica; aos trabalhadores que irão isolar os edifícios, contribuindo assim para a redução das perdas energéticas; aos condutores de transportes públicos de uma nova rede ecológica.
O resultado desta transição será também a consequente estimulação da economia. Para além dos trabalhos criados pelo Serviço Nacional do Clima, serão criados também novos postos de trabalho indirectos que o apoiam, que por sua vez geram mais emprego como resultado do maior poder de compra de ambos os trabalhadores anteriores.
O presente relatório parte da campanha britânica e do relatório One Million Climate Jobs: Tackling the Environmental and Economic Crisis (2014), aplicando-o às necessidades e exigências da realidade portuguesa. Assim sendo, serão apresentadas as estatísticas demográficas e económicas, qual o custo do projecto e quais as necessidades e formas de financiamento.
II. Dados Estatísticos
Fonte: Euromarket Pocketbook, Labour Market Statistics, Eurostat.
- População (2012): 10.4 milhões de pessoas
- O Salário bruto médio na indústria e serviços (2011) é 17,741 euros. Este valor representa 80% dos custos totais do empregador, de forma que os custos totais seriam 22,176 euros.
- O número total de população empregada é de 4.935 milhões. Isto inclui trabalhadores em part-time e trabalhadores por conta própria. Arredondemos para 5 milhões. Desses, 11.6% são trabalhadores em regime part-time (58.000) e 17.5% são trabalhadores por conta própria ou empregadores (87.000). Assim, 3.550.000 são trabalhadores a tempo inteiro.
- Os trabalhadores em regime part-time representam 9.8% do total da população empregada. Nas estatísticas, isto é certamente compensado pela existência de pagamentos por horas extraordinárias.
- O PIB é 185 mil milhões de euros. Destes, a remuneração dos empregados é 81 mil milhões. Como foi referido anteriormente, este valor corresponde a 80% dos custos do empregador, de modo que se somarmos os restantes 20%, representando um acréscimo de 25%, teremos 101 mil milhões para os custos totais do trabalho para o empregador (incluindo, crucialmente, os pagamentos da segurança social).
- A receita pública total em 2016 foi 43.1% do PIB (média da UE 45%).
- Os impostos na riqueza e no rendimento foram 10.3% do PIB (média da UE 13.0%).
- As contribuições líquidas para a segurança social foram 11.7% do PIB (em comparação com uma média de 13.4% da UE, de 15.3% da zona Euro, de 16.7% da Alemanha e 18.7% da França)
- O défice do Estado foi 2.0% do PIB (em comparação com uma média da UE de 1.7%, da zona Euro de 1.5%, da Bélgica de 2.6%, França 3.4% e Espanha 4.5%)
- A dívida nacional bruta em percentagem do PIB é 130.4% do PIB (comparável com os 132.6% de Itália e em confronto com a média da zona euro de 89.2%).
Fonte: ZUCMAN, Gabriel – The Hidden Wealth of Nations: The Scourge of Tax Havens. Chicago: University of Chicago Press, 2015.*
Zucman estima que existem 65 mil milhões de euros de riqueza não declarada a partir de Portugal em paraísos fiscais. Em proporção, este valor representa uma percentagem de riqueza em paraísos fiscais muito superior à de qualquer outro país da Europa. Zucman é a fonte de referência para estas estimativas, mas ainda assim é apenas uma estimativa.
Fonte: DOLLS, Mattias; FUEST, Clemens; PEICH, Andreas – Automatic Stabilizers and Economic Crisis, US vs. Europe, 2010.**
Os autores estimam que, para Portugal, 38% do aumento do rendimento nacional causado por um choque de emprego é absorvido por impostos.
III. Estimativas de custos
Numa estimativa preliminar de Pollin et al., esta transição energética custará entre 3 e 5 mil milhões de euros por ano, aproximadamente 1,5% do PIB da economia portuguesa. Neste estudo, os autores direcionam 1,5% do PIB para a transição energética e, usando um modelo económico, chegam aos valores da campanha, nomeadamente aos 70% de cortes nas emissões e cerca de 100 mil novos empregos. Abaixo, vamos fazer estes cálculos de uma forma mais direta: vamos começar pelos custos associados a 100 mil novos trabalhadores, aos quais se adicionam 50 mil empregos indirectos, obtendo desta forma os custos da campanha. (Os 20 – 60 mil empregos da campanha são em áreas que não foram incluídas nestes estudos, tais como floresta e agricultura – nota do editor)
Podemos assumir que 100.000 trabalhadores correspondem a 2% da força de trabalho total. Existem duas maneiras de calcular os custos totais para um projecto destas dimensões:
1. Assumir que, no seu conjunto, os trabalhadores directos e indirectos representam 3% do total de população empregada, de modo que os custos seriam aproximadamente 3% do PIB. Algo que representaria 5.55 mil milhões de euros de custo total.
2. Assumir que os 100.000 trabalhadores são directamente contratados, representando custos totais no valor de 22.500 de euros por ano e por trabalhador, ou 2.25 mil milhões por todos os 100.000 postos de trabalho. Somando a isto os trabalhadores indirectos, que representam 1% do valor total do PIB, ou seja 1.85 mil milhões, o total é 4.1 mil milhões.
IV. Quanto deste investimento é que o governo pode recuperar?
Vimos que o governo pode recuperar 38% dos custos dos salários (não dos custos totais para o empregador) dos trabalhadores directos e indirectos. [DOLLS, Mattias; FUEST, Clemens; PEICH, Andreas – Automatic Stabilizers and Economic Crisis, US vs. Europe, 2010] Assim, multiplicamos 17.550 euros por 150.000 trabalhadores por 38%, o que perfaz 1.013 mil milhões de euros. Arredondemos para mil milhões de euros.
É mais difícil calcular o retorno da venda de bilhetes de transportes públicos e de contas de electricidade vinda de recursos renováveis. Isto porque não temos dados estatísticos sobre os actuais subsídios, e não sabemos que valor de subsídios um governo estaria disponível a prover para transportes públicos e energia renovável. No entanto, é razoável assumir que com o uso massivo de transportes públicos, o subsídio deve ser substancialmente menos do que 50%. É também razoável assumir que, com a rápida queda do preço de energia solar, os subsídios para o consumidor sejam próximos de zero para a energia solar, ainda que na ordem de um terço ou metade para energia eólica. Sejamos, então, cautelosos. Imaginamos que a proporção de empregos na área dos transportes é 30% e nas energias renováveis 30%. Imaginamos que o custo total é de 4 mil milhões. Então, o retorno nos transportes públicos será de 0.6 mil milhões de euros e na energia renovável pelo menos 0.9 mil milhões, num total de 1.5 mil milhões de euros.
Desta forma, temos um retorno em rendimento de 1.5 mil milhões e em impostos e benefícios de aproximadamente 1.0 mil milhões, mas sejamos cautelosos e digamos que são 1.25 e 0.75, respectivamente. É certamente uma estimativa, mas estamos a ser cautelosos. Perfaz um total de 2.0 mil milhões de euros.
V. Possibilidades de Financiamento
1. A melhor hipótese seria o quantative easing do banco central. Infelizmente, neste caso o banco central é o Banco Central Europeu. O BCE faz quantative easing. Em 2015 anunciaram planos para dar 60 mil milhões de euros por mês. Portugal tem 3% da população da zona Euro e 2% da população da UE. O quantitative easing foi feito para suportar os mercados de acções. Poderia ser igualmente feito para comprar títulos para pagar os empregos para o clima. Se fosse feito isso, a percentagem respectiva de Portugal, 3% do total de 60 mil milhões de euros mensais, seria 21.6 mil milhões de euros por ano – já bastante acima daquilo que precisamos.
Seria politicamente muito difícil conseguir que o BCE o fizesse. Não seria certamente possível somente através de lobbying junto do BCE ou dos líderes da UE. Só uma campanha massiva na UE, com oradores de Portugal espalhados pelo continente poderia atingir tal meta. Mas é importante frisar que é possível por duas razões. Uma é porque pode simplesmente acontecer, fazendo com que se resolvam os problemas financeiros. A outra razão é porque sempre que os líderes políticos, os bancos ou líderes financeiros criticarem o método de financiamento dos empregos para o clima, poder-se-á contra-argumentar que existe uma alternativa melhor que serve os objectivos deles também. Isto tornar-se-á mais fácil quando houver uma nova recessão, por ser mais acessível o quantitative easing.
2. Isto é particularmente importante devido a outra forma de financiar os empregos para o clima: o financiamento por défice. Neste momento o défice é 2% do PIB anual, o mais baixo historicamente a nível internacional. França, em contraste, é 3.4%. Os EUA são pouco mais que 3% e o Reino Unido 3%. Aumentar o deficit em Portugal para 3.0% faria aumentar 1.85 mil milhões. Subir para 3.4% aumentaria 2.59 mil milhões.
3. A maneira seguinte para arrecadar dinheiro seria através do aumento de impostos. Impostos sobre a riqueza e rendimento juntam 10.3% do PIB. Elevando estes para a média europeia de 13%, traria cerca de 5 mil milhões de euros (4.995). Estes impostos incidiriam quase exclusivamente no último quartil da distribuição de rendimento. Também não existe neste momento imposto sobre a herança em Portugal, enquanto que o mesmo existe noutros países.
4. Portugal também arrecada somente 11.7% do PNB em contribuições para a segurança social. A média europeia é de 13.4%. Se aumentasse apenas 1% do PIB significaria uma colecta extra de 1.85 mil milhões de euros.
5. A melhor estimativa referente a riqueza não declarada em offshores referentes a residentes portugueses é de 65 mil milhões de euros. Se isto fosse descoberto e taxado a uma taxa de 2% ao ano, forneceria 1.3 mil milhões de euros. 2% pode parecer uma taxa baixa, mas estamos a referir-nos a riqueza e não a rendimentos. 65 mil milhões de riqueza gera, provavelmente, um rendimento de 3,25 a 6,5 mil milhões de euros. A dificuldade com este tipo de fundos é que exige uma cooperação dos governos muito para além das fronteiras portuguesas. No entanto, uma taxa sobre a riqueza seria perfeitamente possível, como sugere o documento.
Nota: É necessário ser cauteloso na estimativa de quanto a taxa Robin Hood poderia ser aumentada. A taxa Robin Hood foi originalmente proposta como uma taxa para reduzir o número de transações financeiras especulativas – o objectivo da arbitragem, no entanto, é fazer um grande número de transações num dado ano. Uma taxa muito baixa em cada transação faz com que não haja qualquer tipo de lucros de arbitragem. A taxa Robin Hood deixaria em pé exclusivamente aquelas transações que precisem de ser feitas para bens, serviços e comércio normal. O que significa que se se multiplicar a taxa pelo número de transações teremos um número enganador.
VI. Conclusão
Com o presente relatório fica claro que a criação de um conjunto de Empregos para o Clima por um Serviço Nacional do Clima é não só exequível, mas também necessária, tendo em conta a actual situação climática e social.
Os custos de criação de 150.000 empregos, que podem ir de 4.1 a 5.6 mil milhões de euros por ano, implicam um financiamento de 1.6 mil milhões de euros, no mínimo, podendo chegar no máximo aos 3.6 mil milhões de euros.
As formas mais desejáveis de financiamento, de forma a estimular o resto da economia, são o quantitative easing, a tributação de riqueza offshore e onshore e o aumento do deficit.
Custos totais para 150.000 empregos: 4.1 a 5.6 mil milhões de euros/ano
Retorno Total:
Poupanças em impostos e benefícios: 0.75 a 1.0 mil milhões
Títulos de transporte e contas de electricidade: 1.0 a 1.25 mil milhões
Soma: 1.75 a 2.25 milhões
Necessidades de Financiamento:
No melhor cenário: 1.85 mil milhões = 4.1 – 2.25
No pior cenário: 3.85 mil milhões = 5.6 – 1.75
Possibilidades de financiamento:
1. Quantitative Easing pelo BCE: 21.6 mil milhões/ano
2. Aumento do défice para o nível francês: 2.59 milhões/ano
3. Aumento do imposto sobre o rendimento para a média Europeia: 5 mil milhões/ano
4. Aumento em 1% do PIB nos pagamentos para a segurança social: 1.85 mil milhões/ano
5. Imposto de 2% em riqueza offshore não declarada: 1.3 mil milhões/ano