Temos de incluir a luta por Empregos para o Clima no contexto mais vasto da responsabilidade de construir um movimento pelo clima
Entrevista com Andreas Ytterstad (Bridge to the Future; Concerned Scientists e Universidade do Oslo) que esteve em Lisboa nos IV Encontros Internacionais Ecossocialistas nos 23-25 de novembro.
Que experiências concretas existem no vosso país [Noruega]?
Neste último ano também houve sindicatos do setor privado — incluindo alguns dos que estão a organizar os trabalhadores da indústria do petróleo e do gás — a envolver-se mais com a luta contra as alterações climáticas. O sindicato El & IT, que abrange sobretudo as indústrias renováveis, aderiu à Bridge to the Future Alliance. Mas é compreensivelmente mais difícil para os sindicatos dos trabalhadores das petrolíferas. Ao fim e ao cabo, já existe investimento estatal em empregos nessa área. A reivindicação de 100 000 Empregos para o Clima é uma reivindicação justa, desde que venha acompanhada da exigência de um salário, porque é com o salário, e não com reivindicações, que os trabalhadores alimentam as suas famílias. Mesmo assim, acho que os trabalhadores do setor petrolífero vão compreendendo que é necessário mudar algo na Noruega. Até podem querer acreditar na atual primeira-ministra, quando ela diz que a pessoa que vai apagar a luz do petróleo no Mar do Norte ainda não nasceu, mas penso que, no fundo, sabem que não passa de uma ilusão. O líder de um dos sindicatos do setor petrolífero entrou num debate na Conferência deste ano da Bridge to the Future, que contou com a participação de 650 pessoas. Era sobre como fazer uma transição justa para lá do petróleo. Isto mostra que o diálogo dentro do movimento sindical norueguês é possível. É um processo demasiado lento, mas penso que está a ir na direção certa. Quanto mais força dermos à reivindicação de Empregos para o Clima, mais provável é que os trabalhadores das petrolíferas também contribuam com a sua própria força.
Qual é a dimensão ideológica (e política) de uma transição justa? Que conceitos estão envolvidos?
Há muitos debates ideológicos interessantes a fazer em torno do que é uma transição justa. Mas, no caso norueguês, penso que o principal é desmistificá-la. A posição da Bridge to the Future é romper, de forma regulada e não baseada no mercado, com o petróleo e o gás, com o contributo de 100 000 Empregos para o Clima, com segurança e direitos sindicais. É uma solução para uma verdadeira transição, não são apenas palavras. Num país como a Noruega, a defesa dos trabalhadores que percam os empregos no setor petrolífero tem ser muito forte. Uma das razões mais compreensíveis para os trabalhadores desse ramo estarem céticos em relação à Bridge to the Future é temerem que uma transição que abandone o petróleo seja uma transição, de empregos seguros e protegidos pelos sindicatos, para trabalhos a tempo parcial e mal pagos. É por isso que não podemos deixar o crescimento das energias renováveis e a criação de mais empregos amigos do clima nas mãos dos empreendedores privados. Um dos motivos para os trabalhadores petrolíferos terem direitos é terem lutado por eles. O outro é o setor petrolífero ter passado a fazer parte — talvez até mesmo como bandeira — de um modelo nórdico, liderado pelo Estado e com respeito pelos trabalhadores. Uma transição justa tem de manter o Estado e os sindicatos, pelo menos, com o mesmo nível de envolvimento que tinham no início da aventura petrolífera. Uma transição liderada pelo mercado para uma Noruega renovável não trará uma transição justa, e não terá um fim feliz, nem para os trabalhadores, nem para as alterações climáticas. Do que precisamos agora é de um grande movimento popular, que obrigue o Estado a assumir as suas reais responsabilidades numa transição justa.
Reportagem completa por Lígia Calapez no jornal Escola Informação Digital Nº 20, nov./dez. 2018, aqui.