Passados dois anos do fecho da refinaria de Matosinhos, um trabalhador relata: “A empresa despediu-nos, lavou as mãos, passou a responsabilidade para o Estado e o Estado não tem nada preparado. Não podemos ver o primeiro-ministro dizer que vai dar uma lição à Galp e depois é isto”.
Em 2021, António Costa acusou a Galp de “total insensibilidade social”, dizendo então que “quem se porta assim tem de levar um a lição”. Também o então ministro do Ambiente e da Ação Climática disse que a decisão da Galp devia-se a não haver mercado suficiente para as duas refinarias e não a preocupações climáticas. Ora, nisto estamos de acordo, mas onde está a lição, e onde estão as políticas de Transição Justa (TJ) que garantirão que esta situação não se repetirá?
Um artigo recente explica como políticas de TJ devem ter como objetivo a proteção dos trabalhadores e dos seus níveis de vida face a uma eliminação do uso de combustíveis fósseis. Para tal são necessárias políticas que deem garantias: 1- de novos empregos; 2 – de que a compensação nos novos empregos será comparável à dos empregos anteriores; 3 – de que as suas pensões permanecem intactas mesmo quando as operações comerciais dos seus empregadores são terminadas. As políticas atuais não asseguram estes direitos.
Através do Fundo de TJ da UE foram alocados a Portugal 224 milhões de euros. A Matosinhos foram alocados 60 milhões, que estão a ser geridos pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N). Em que estão a ser usados estes 60 milhões?
Muitos dos trabalhadores reportam terem sido deixados para trás, sem reais soluções concretas. Em contrapartida, a Galp registou em 2022 o seu maior lucro de sempre. Se já aquando do encerramento da refinaria, a empresa tinha anunciado a intenção de duplicar a sua produção petrolífera até 2030, este ano reforça o compromisso de manter atividades no setor fóssil.
Assim se vê que esta não foi uma TJ, ou sequer uma transição energética. Há dois anos, a Galp já apontava para o projeto de hidrogénio em Sines. Recentemente, o consórcio entre a Galp, EDP e outras empresas, no terreno da antiga central a carvão da EDP, passou a primeira fase do licenciamento ambiental. O GreenH2Atlantic poderá receber elevado nível de financiamento público, apesar de altamente questionado face ao interesse real que comporta para a transição energética.
A EDP e a Galp conduziram encerramentos pelos quais não assumiram qualquer responsabilidade e cuja única motivação foram análises de lucro e a perceção de que beneficiariam de fundos europeus. Não tiveram (ou lhes foi exigido) qualquer iniciativa de justiça social. Contudo, estão entre as principais recetoras de novos investimentos por parte do governo e consolidam o seu poder sobre o setor.
Há uma usurpação do termo TJ na aliança entre estas empresas e governos como o de António Costa. Em vez de TJ ser empregue como um conjunto de garantias de direitos para os trabalhadores dos setores poluentes, passou a ser usado como um conjunto de garantias para os acionistas, de manutenção dos seus lucros e de desresponsabilização face aos seus trabalhadores e aos impactos ambientais e climáticos das suas atividades. A única lição que António Costa deu às empresas é que, em qualquer circunstância, os seus lucros estão acautelados.
Crise climática? Não interessa. Crise social? É irrelevante. Preços selvagens? Prossiga. Face à situação em que foram deixados centenas de trabalhadores, à crise climática em que vivemos, à necessidade de uma descarbonização justa e atempada, e ao carácter essencial dos serviços energéticos, a lição de Costa à Galp é que pode fazer o que quiser.
Artigo originalmente publicado no Expresso a 18 de Abril de 2023.