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A Transição Justa como Solução para Criação de Emprego – Giorgio Casula

I – Eliminar a precariedade e criar empregos dignos

Recentes estatísticas sobre o emprego em Portugal indicam o aumento das situações de precariedade e, consequentemente dos vínculos precários nos últimos anos. Com a política de direita do Governo PSD/CDS-PP, a precariedade estendeu-se a todos os sectores de actividades e grupos etários. Segundo o Inquérito ao Emprego, relativo ao segundo Trimestre de 2016, quase um quarto dos trabalhadores por conta de outrem têm um vínculo precário e, desde o final de 2013, que oito em cada dez novos contratos de trabalho são precários[1]. Os trabalhadores vêem-se sujeitos a uma crescente instabilidade e rotatividade entre empresas e desemprego, ao mesmo tempo que as empresas lucram com o financiamento da precariedade. Deve salientar-se que os postos de trabalho criados não são suficientes para reduzir de modo significativo o número de desempregados.

Os dados disponíveis demonstram a urgência na adopção de políticas que, rompendo com o modelo de precariedade, de baixos salários e de destruição de direitos, promovam a criação de empregos de qualidade, de modo a erradicar estas situações. A CGTP-IN defende a promoção do emprego estável, seguro e com direitos, bem como a adopção de medidas que ponham fim ao flagelo da precariedade e que promovam a criação de empregos com direitos, que dignifiquem as profissões e as carreiras e que valorizem as experiências, as competências e as qualificações dos trabalhadores[2]. No mesmo sentido defendemos a revogação das normas gravosas da legislação laboral que, tanto no público como no privado, são facilitadoras dos despedimentos, reduzem as indemnizações e desregulamentam os horários de trabalho de acordo com os interesses patronais. Defende-se a dinamização da contratação colectiva como instrumento de progresso social, de distribuição de riqueza e de efectivação dos direitos individuais e colectivos, o que implica, entre outras medidas, a revogação das normas relativas a caducidade das convenções colectivas.

Durante a Conferência “O Futuro do Trabalho” que se realizou em Lisboa, no passado dia 19 de Outubro, para assinalar os 100 anos da criação do primeiro Ministério do Trabalho em Portugal, o Primeiro-Ministro defendeu a “Agenda para um Trabalho Digno” lançada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Seria desejável poder ver transformadas em medidas concretas as ideias destacadas pelo Primeiro-Ministro, ao afirmar que a insistência num modelo de competitividade assente na desregulação laboral e nos baixos salários tiveram um impacto negativo no emprego e na economia, sendo por isso necessário abandonar a política de empobrecimento a que o país foi sujeito, apostando numa estratégia para o emprego que, repondo rendimentos e direitos, dignifique o trabalho.

Para criar mais empregos, defendemos uma melhor distribuição da riqueza e o combate à pobreza, com o aumento geral dos salários, enquanto suporte fundamental para melhorar os rendimentos das famílias, para combater as desigualdades e o empobrecimento e estimular a dinamização da economia e a criação de empregos. Por outro lado, a CGTP-IN não pode deixar de apoiar e participar na campanha “Empregos para o Clima”, dinamizada pela associação Climáximo e outras porque, como explicamos mais adiante neste texto, acreditamos que os desafios climáticos que, hoje em dia, as sociedades enfrentam, também abrem possibilidades de criação de emprego. Neste sentido, é preciso desenvolver novas políticas públicas de curto, médio e longo prazo, sendo igualmente necessário concertar estratégias com os parceiros sociais, para enfrentar as alterações provocadas pelas novas necessidades tecnológicas no mundo do trabalho, articulando as políticas dos vários ministérios, para responder aos desafios que hoje se apresentam.

 

II – Dois grandes desafios neste início de Século

O Século XXI confronta-se com um duplo desafio: o primeiro consiste em enfrentar uma mudança climática com consequências devastadoras nos recursos naturais do mundo inteiro. Inundações e cheias, fogos florestais, tempestades, variações climáticas extremas, secas, ocorrem com cada vez mais frequência, o que obriga à adopção de novos comportamentos, individuais e colectivos, bem como das necessárias medidas políticas correctivas. O segundo desafio diz respeito à necessidade de garantir o Desenvolvimento Sustentável (DS) em torno de três dimensões chave: crescimento económico, justiça social e protecção do meio ambiente[3]. O equilíbrio entre estas três dimensões do DS obriga transformações estruturais ao nível económico, político, social e cultural, podendo mesmo falar-se em “Estado Social-Ecológico” [4].

Quanto ao primeiro desafio, já são conhecidos os alertas cientificamente comprovados e as políticas adoptadas internacionalmente no quadro da Organização das Nações Unidas (ONU), sendo a mais recente e a que exige mais compromissos, a estabelecida pelo “Acordo de Paris”, adoptado em Dezembro de 2015, no final da Convenção Quadro Sobre Mudança de Clima. Este acordo, mais ambicioso que os já adoptados pela mesma Convenção, conhecidos pelos acordos de Rio de 1992 e Rio +20 de 2012 ou mesmo de Quioto. O Acordo de Paris vem reforçar a implementação da Convenção, incluindo os seus objectivos, de modo a fortalecer a resposta global à ameaça das mudanças climáticas, no contexto do desenvolvimento sustentável e dos esforços para erradicar a pobreza, a saber:

– Manter o aumento da temperatura média global abaixo dos 2 graus acima dos níveis pré-industriais e procurar, de modo empenhado, limitar a temperatura a 1,5 graus acima dos níveis pré-industriais, reconhecendo-se a possibilidade de reduzir significativamente os riscos e impactos das alterações climáticas;

– Aumentar a capacidade de adaptação aos impactos adversos resultantes das mudanças climáticas, fomentando a resiliência ao clima e promovendo o abaixamento das emissões de gases com efeito de estufa, de uma forma a não ameaçar a produção de alimentos e canalizando os fluxos financeiros adequados[5].

Para realizar estes objectivos cada Estado comprometeu-se a estabelecer um Plano Nacional e ficou prevista uma revisão a cada cinco anos.

Para a entrada em vigor deste Acordo é exigida a ratificação de pelo menos 55 países, responsáveis por 55% das emissões de gases que provocam o aquecimento global. No passado mês de Outubro a maior parte destes países assinaram esta ratificação, entrando assim o Acordo em vigor no dia 4 de Novembro de 2016. Esperamos que o Encontro COP22, que terá lugar de 7 a 22 de Novembro em Marraquexe ajude a colmatar as insuficiências do Acordo que ficou muito aquém das possibilidades e das necessidades. Desde logo, porque as metas traçadas não são vinculativas, faltando também estabelecer um mecanismo de fiscalização para a sua aplicação. A partilha de responsabilidades de forma diferenciada, de acordo com a situação de cada um dos Estados é ambígua, para além do facto de não ter ficado definido com rigor o modo de financiamento do Fundo de apoio de 100 milhões de dólares por ano para os Estados mais necessitados.

A não haver uma inversão das políticas, os países pobres e em desenvolvimento irão sofrer, com a opção de se tornar o ambiente em negócio, que sendo extremamente lucrativo para as multinacionais e para que os países ricos (poluidores) não obriga a que tenham que pagar por isso. O mercado de compra e venda da produção de dióxido de carbono (CELE) representa, em si mesmo, um paradoxo nesta luta de redução de CO2, permitindo aos países ricos continuar a poluir, ao mesmo tempo que penaliza os países mais pobres, que são os que menos poluem. A CGTP-IN está totalmente contra este mercado de CO2 e defende um desenvolvimento económico com baixa emissão de carbono e eficaz em termos de recursos, que não coloque em causa o planeta e assegure uma nova ordem económica internacional, mais justa para os trabalhadores e para os povos, e defende que a transição para uma economia de baixo consumo de carbono não deixe de garantir o emprego e o direito ao trabalho digno. Para a Europa, a CES – Confederação Europeia dos Sindicatos, defende a criação de uma “Fundo de Transição Justa”, para ajudar os países europeus que terão mais dificuldades para reduzir a emissão de CO2 provocando problemas sociais relacionados com a manutenção de empregos nalguns sectores[6].

Já em 2010, o Governo Português tinha adoptado uma Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas (ENAAC)[7]. Na altura visava-se alcançar as “metas 20-20-20” estabelecidas ao nível da União Europeia até 2020: chegar a pelo menos 20% de redução das emissões de gases com efeito de estufa relativamente aos níveis de 1990; conseguir pelo menos 20% de quota de energia proveniente de fontes renováveis no consumo final bruto e; 20% de redução do consumo de energia primária relativamente à projecção de consumo previsto até 2020, através, por exemplo, do aumento da eficiência energética.

Do ponto de vista sindical podemos lamentar a falta de participação dos parceiros sociais. A CGTP-IN nunca foi convidada para participar em qualquer um dos grupos de trabalho criados no quadro desta estratégia, sendo que o Governo se limita a pedir pareceres de forma ocasional ao Conselho Nacional para o Desenvolvimento Sustentável (CNADS), órgão consultivo ligado ao Ministério do Ambiente, composto por representantes de diversos ministérios, parceiros sociais e outras organizações não-governamentais. O Conselho de Ministros de 2015, pretendendo reforçar a aposta no desenvolvimento de uma economia competitiva, resiliente e de baixo carbono, contribuindo para um novo paradigma de desenvolvimento para Portugal, tendo adoptado uma Resolução que vai já mais além das metas “20-20-20”, com a criação de: um Quadro Estratégico para a Política Climática (QEPC), de um Programa Nacional para as alterações Climáticas (PNAC) e actualização do ENAAC, passado a chamar-se ENAAC 2020. Determina ainda que Portugal reduza as suas emissões de gases com efeito de estufa para valores de -18% a -23 % em 2020 e de -30% a -40% em 2030, face aos valores de 2005. Por fim, na mesma Resolução é criada uma Comissão Interministerial do Ar e das Alterações Climáticas (CIAAC), para acompanhar a política climática e as políticas sectoriais[8]. Mas, mais uma vez e infelizmente, estes grupos de trabalho sectoriais são compostos essencialmente por entidades estatais ou para-estatais, sem que os sindicatos e outros parceiros sociais representativos de sociedade civil sejam convidados a contribuir.

Quanto ao segundo desafio, julgamos que o DS, como enquadramento de uma nova ordem económica, é uma referência importante, a partir da qual os sindicatos podem contribuir de forma activa sendo também esta uma via para a criação de empregos e bem-estar dos trabalhadores e suas famílias. Com efeito, toda a gente concorda que o nosso sistema económico tal como está, baseado no crescimento ilimitado e utilização incontrolada dos recursos naturais não pode continuar. Assim, defendemos a complementaridade entre as necessidades de crescimento económico, a defesa do ambiente e o respeito pelos aspectos sociais e humanos que os ambientalistas, sindicatos e outros movimentos sociais conseguiram defender nas conferências internacionais da ONU. Além disso, consideramos que o DS tem de ser aplicado urgentemente em qualquer plano nacional e territorial e deve necessariamente ter em conta os aspectos sociais e económicos locais, a cultura e as tradições locais e pedir a opinião de todos os intervenientes.

São estas medidas e estas condições de realização que qualquer plano climático ou de DS deve assegurar, com a participação das populações e organizações do nível local ao nacional. Por outro lado, ao nível internacional também ficou convencionado que o desenvolvimento económico sustentável deve responder a outras prioridades e necessidades que foram traçadas em 2015 na Agenda da ONU para 2030 através dos ODS – Objectivos para o Desenvolvimento Sustentável, que são 17 e que apresentam um total de 169 Metas[9]. A CGTP-IN foi convidada e faz parte da Comissão Organizadora da Consulta Pública que se realizou entre Abril e Setembro de 2016 sobre as condições de aplicabilidade destes ODS em Portugal, com os resultados a partir dos quais foi interpelada a Secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação. Através dos seminários regionais, os sindicalistas tiveram oportunidade de contribuir no que diz respeito a alguns Objectivos, como os do trabalho digno, da saúde, da igualdade de género, das energias renováveis, da redução das desigualdades, da protecção do clima, da natureza, entre outros.

Infelizmente, contrariamente ao que prevê o Acordo de Paris o Estado Português ainda não garantiu a participação dos parceiros sociais na definição e implementação da sua Política Climática e, mais largamente, sobre os Objectivos para o Desenvolvimento Sustentável, que não podemos desligar dos objectivos climáticos. Esperamos uma mudança neste sentido porque é importante permitir a contribuição dos sindicatos e dos trabalhadores no esforço global para o bem do planeta e das gerações futuras. Importa defender um desenvolvimento económico sustentável, com baixa emissão de carbono e eficaz em termos de recursos energéticos, que assegure uma nova ordem económica internacional mais justa para os trabalhadores e os povos e defendemos uma “Transição Justa” para uma economia de baixo carbono, que protege os empregos e as condições de trabalho digno. Desta forma, defendemos a proposta da Confederação Europeia dos Sindicatos de criar um “Fundo para a Transição Justa”, actualmente em discussão no Parlamento Europeu, que visa o apoio dos Estados europeus que terão mais dificuldades em salvaguardar os aspectos sociais e de emprego para cumprir as metas do Acordo de Paris e esperamos que os Deputados Europeus portugueses apoiem esta iniciativa.

III- Desenvolvimento Sustentável e Economia Circular

Na Conferência Internacional do Trabalho de 2013 um dos temas tratados foi o Desenvolvimento Sustentável, o trabalho digno e os empregos verdes[10]. No Relatório resultante do tratamento deste tema, foram definidos alguns pressupostos que, constituem verdadeiros desafios para todos os sectores da sociedade:

  1. Tornar a economia sustentável do ponto de vista ambiental deixou de ser uma opção para ser uma necessidade;
  2. A degradação ambiental põe em perigo os resultados económicos;
  3. Os problemas sociais não resolvidos agravam a complexidade dos desafios ambientais;
  4. Uma maior sustentabilidade ambiental pode estimular o investimento, o crescimento económico e a criação de emprego;
  5. A compreensão da dinâmica dos mercados de trabalho é essencial.

Porque são desafios? Porque o impacto das mudanças climáticas e as reestruturações que estes objectivos exigem têm e terão graves repercussões económicas, estruturais e sociais, que dizem respeito a todos os cidadãos e ao seu futuro! Os fenómenos ambientais geram custos económicos, sociais e humanos enormes, bastando ver as consequência das inundações, das secas ou das tempestades que provocam danos elevados, produções agrícolas perdidas, habitações destruídas, dificuldades no abastecimento de água, escassez de bens alimentares, bem como o aumento das migrações internas e externas. Algumas zonas do território estão mais sujeitas a estas calamidades do que outras. Também em Portugal já sofremos com estas mudanças.

A Economia Circular é a resposta economicista para as preocupações ambientais, e esquece a dimensão social do DS. Motivo provável que leva os nossos governantes ao mesmo esquecimento. Já as Linhas Orientadoras da Acção do Ministério do Ambiente, apresentadas na Arrábida, dia 8 de Junho 2016, consideram a “economia circular” como tronco principal da transição para a economia de baixo carbono. Foram apresentados como “desafios do ambiente” os seguintes:

  • “Cumprir as metas de redução de emissões de CO2;
  • Estruturar uma economia “circular”;
  • Reabilitar o edificado urbano;
  • Vencer o desafio da mobilidade urbana sustentável;
  • Adaptar o território às alterações climáticas;
  • Valorizar o nosso território;
  • Assegurar a qualidade da prestação de serviços ambientais.

Se nos cingirmos à área ambiental podemos considerar que é uma orientação de louvar, mas quando consideramos os pormenores, ressalta, desde logo, a ausência da dimensão social e da obrigatoriedade de participação dos parceiros sociais e de outras organizações da sociedade civil! Esperamos que, tal como defende o Ministro do Ambiente, “estas medidas respeitam três vertentes, a saber: «uma economia que respeite a hierarquia “reduzir, reutilizar, reciclar”»; «uma economia baseada no “conceito de ciclo de vida”, visando limitar o consumo de recursos e o desperdício»; «uma economia susceptível de gerar novos modelos de produção e de consumo, assim como de promover a criação de emprego à escala local ou regional»[11]. O princípio de economia circular já faz parte dos discursos actuais e da estratégia de alguns sectores económicos, aguardamos, no entanto, para ver o seu real impacto no emprego e na vida das pessoas. O enquadramento dos desafios apresentado na Arrábida orienta-se no sentido de perseguir estes 3 objectivos:

  1. Descarbonizar a sociedade,
  2. Valorizar o território e
  3. Tornar a Economia “Circular”.

Estes objectivos têm como finalidade central o bem-estar e a qualidade de vida e como pressupostos adicionais as “Parcerias” e a “Transversalidade”. Em nenhuma destas partes foi mencionada a participação dos parceiros sociais e da sociedade civil que é, no entanto, uma das condições dos Objectivos para o Desenvolvimento Sustentável, bem como de qualquer directiva ou política europeia actual.

 

 

IV – Uma transição “justa” para uma economia de baixo carbono

Estas políticas climáticas entram em choque e colocam em causa as questões do emprego, a defesa do bem-estar, a defesa do ambiente e a defesa da vida para a gerações futuras. Os trabalhadores e os sindicatos não podem deixar de encarar os grandes desafios que se apresentam no quadro do clima e do ambiente. Além dos problemas sociais criados pelas alterações climáticas, as empresas, para responder à eficácia climática, vão introduzir mudanças tecnológicas e organizacionais que irão atingir os trabalhadores e os sindicatos, não só no que respeita ao emprego, mas também como participantes e contribuintes para a protecção do ambiente nas empresas e no meio circundante, como consumidor e como cidadão. Todos os cidadãos e em particular os sindicalistas devem intervir para defender o seu ponto de vista face a estes grandes desafios, defendendo nomeadamente uma “transição justa para a sociedade de baixo carbono” o que implica a defesa do clima e ao mesmo tempo a defesa do trabalho digno[12]. Integrando os imperativos da transição “justa” e do trabalho digno no preâmbulo do Acordo de Paris, os governos estão obrigados a desencadear, a nível nacional, uma transição justa para os trabalhadores e promover o trabalho digno[13], no âmbito das políticas de combate às alterações climáticas. Em convergência com a Confederação Europeia dos Sindicatos (CES) a CGTP-IN espera agora que estes imperativos sejam aplicados ao nível nacional. A adopção pela OIT, em 2015, dos “Princípios directores da OIT para uma transição justa para uma economia e sociedade ecologicamente sustentável, para todos”[14], oferece uma referência internacionalmente reconhecida para os governos e parceiros sociais dispostos para que esta transição se torne realidade!

De que transição falamos? Sabemos que cumprir as metas de transição para uma sociedade de baixo carbono obriga a mudanças estruturais tendo em conta que se visa reduzir a emissão de CO2 na atmosfera e por isso as empresas que o emitem terão de encontrar soluções que colocam a sociedade perante grandes desafios, deixando para os sindicatos e os trabalhadores o dilema de estar na posição de empregado e/ou na posição de pessoa que vive num território que quer ver menos poluído! Com efeito, o objectivo de reduzir o CO2, de tornar mais eficiente o uso de energia ou usar as novas tecnologias mais limpas, obrigam e até promovem reconversões estruturais e de organização do trabalho que terão fortes impactos nas empresas, em todos os sectores de actividade, como indústrias, construção e renovação de edifícios, os transportes e os serviços, mas também na agricultura e na pesca por exemplo, tornando-os mais amigos do ambiente.

Eis alguns desafios:

  • Aceitamos a prospecção e exploração de petróleo ou gás de xisto quando sabemos que, como consequência, podemos criar ou assegurar empregos, mas isto terá consequência no ambiente, nos lençóis aquíferos, na agricultura, na saúde, no turismo, na pesca?
  • Nalguns estados uma grande percentagem da produção de electricidade ainda provém de centrais térmicas com carvão: vamos fechá-las e perder milhares de empregos?
  • Vamos reduzir a produção de CO2 das mesmas centrais com novas tecnologias que garantem mais eficiência energética reduzindo a emissão de CO2? Até quando seria aceitável?
  • Constroem-se novas centrais hídricas, colocam-se novas eólicas, novas centrais fotovoltaicas: como ter em conta a biodiversidade das regiões afectadas?
  • Pode-se criar empregos nestes casos, mas qual será o impacto social e ambiental sobre as populações? E se forem deslocadas?
  • Nestas novas empresas, mas estão garantidas as condições de trabalho digno?
  • Com as novas exigências de formação devido às novas tecnologias mais eficientes, são exigidas novas competências, faz todo sentido perguntar se as escolas estão adaptadas a estas novas necessidades?
  • As empresas garantem novas formações para os trabalhadores? E os que têm mais idade, são obrigados a converter-se?
  • Aceitamos utilizar menos os carros individuais e utilizar os transportes públicos? Com que condições?
  • A mobilidade nos transportes públicos ou privados pode ser útil se for com eficiência energética ou energia eléctrica? E o preço a pagar? Quem paga os custos acrescidos?
  • Porque está a “fiscalidade verde” concebida como imposto em vez de contributo para a protecção do ambiente e de apoio ao fundo de Segurança Social? Mas como evitar que os pequenos contribuam mais do que os grandes nesta fiscalidade?
  • Os Objectivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), adoptados pela ONU, obrigam à adesão e participação dos sindicatos e da sociedade civil em geral. Será assim? Não deveríamos contribuir mais?
  • O desenvolvimento sustentável obriga a um equilíbrio entre as dimensões económicas, sociais e ambientais, seja ao nível global do país bem como ao nível das empresas e dos territórios. Este equilíbrio está a ser aplicado nas empresas? Os sindicatos querem estar associados?

Reflectir e Participar. Estes desafios dizem respeito aos sindicatos porque dizem respeito aos trabalhadores como cidadãos na sua vida, tanto profissional como social e comunitária. Não são decisões fáceis de tomar e por isso devemos sempre exigir a máxima informação para poder participar e contribuir, para tomar decisões de forma consciente e sem pressões externas. Devemos estar atentos porque acontece muitas vezes o contrário. Como quando algum empresário quer defender a energia nuclear como energia limpa, ou como a REPSOL que faz campanha nas escolas e aldeias do Algarve e do Alentejo para contrariar a oposição dos cidadãos contra a prospecção ou exploração de petróleo. Estas decisões não exigem escolher, de imediato, entre “branco e preto”. As soluções exigem reflexões profundas que envolvam todos os intervenientes: não só os decisores, mas também os que produzem e os que usufruem e suportam os impactos destas decisões! A sociedade civil tem que intervir! As populações têm que participar nestas decisões e interpelar se necessário, como fizeram recentemente contra a exploração de petróleo e gás de Xisto em diversas regiões do País. Por estas razões a “Transição para uma economia sustentável tem de ser Justa”.

 

Transição Justa – Empregos Verdes e Dignos!

A “Transição Justa” é um dos desafios actuais que temos de enfrentar na sociedade, em todos os sectores e em todos os níveis de governação. Trata-se de mudar o Paradigma de desenvolvimento: ”Contrariamente a outras revoluções económicas, desta vez as medidas não são unicamente de tipo meramente tecnológico ou económico. O reforço do bem-estar da população mundial deve fazer parte integrante do processo de desenvolvimento sustentável. Esta mudança de paradigma implica que, para poder dominar os riscos ambientais, devemos reforçar a equidade social e o bem-estar de toda a humanidade![15] As novas necessidades climáticas são também oportunidades para a criação de emprego. Fala-se muito dos “empregos verdes”, confundindo os empregos criados pelas empresas de produção de energias eólicas ou fotovoltaicas, a água e o mar, a agricultura e floresta, mas todos os sectores serão obrigados ao chamado “verdeamento” para responder às novas exigências ambientais. Temos que defender que isto é um investimento para o futuro e não um custo, tal como o defendemos para a segurança e saúde no trabalho! São necessárias novas qualificações, algumas profissões vão desaparecer, outras terão de se adaptar a novas competências. Os organismos de formação têm um grande mercado para qualificar ou requalificar os trabalhadores nas áreas tradicionais da indústria de transformação, nos transportes, na construção, na produção de materiais de isolamento, na produção individual de energia, nas respostas informáticas e digitais. Nas áreas ambientais: biologia; engenharia ambiental; sociologia e psicologia do ambiente; no saneamento e no trabalho de selecção e triagem de resíduos e sua reutilização na biomassa; a eco-compostagem; o eco-design; planeamento energético; advocacia ambiental; saúde ambiental; informação e investigação; turismo ambiental; agricultura e preservação das florestas; jardinagem e cozinha biológica… etc.

Respeitamos estas necessidades de tornar verde a economia e os empregos porque devemos ver isto como oportunidades de melhorar os postos de trabalho existentes e criar mais emprego. No entanto, entendemos que os empregos ditos “verdes” são os que respeitam os princípios do Desenvolvimento Sustentável (DS) e por isso, a empresa que respeita os 3 grandes princípios do DS, económicos, ambientais e sociais, o que inclui as condições de trabalho digno e decente tal como defendido pela OIT. Trabalho digno que contribui directamente para reduzir o impacto ambiental das empresas, dos sectores económicos ou da economia em geral, reduzindo o consumo de energia e de recurso, a emissões, os desperdícios e a poluição, preservando ou recuperando os ecossistemas. Os empregos verdes têm de ser empregos dignos, ou seja bons empregos que garantem salários adequados, condições de trabalho seguras, segurança de emprego, perspectivas de carreira razoáveis e direitos laborais”[16].

 

VI – Sim, a Transição Justa, bem implementada servirá para a criação de emprego

As condições para um trabalho verde e digno podem existir em qualquer sector de actividade, serviços, indústria, agricultura ou pesca! As empresas e os empregos verdes são os que respeitam todos os princípios de DS. Os riscos para a Saúde e Segurança no Trabalho estão em todas as fases, desde a fabricação, passando pela instalação/utilização até a manutenção dos produtos e equipamentos. O documento da OIT “Promover a segurança e saúde numa economia verde[17] refere que as tecnologias utilizadas podem proteger o ambiente, mas não são sempre seguras. Por exemplo, no sector das energias renováveis, os fabricantes de painéis fotovoltaicos utilizam de mais de 15 materiais perigosos. Na fabricação de eólicas os trabalhadores estão expostos a produtos químicos, tanto na produção como na instalação e manutenção. No sector da reciclagem, que emprega muitos trabalhadores com baixas qualificações, existem frequentemente problemas de lesões ou envenenamento devido aos materiais que compõem os aparelhos reciclados. O OSHA – Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho, no seu Relatório “Empregos Verdes, Segurança e Saúde no Trabalho”[18], denuncia as quedas dos trabalhadores em operações de instalação e manutenção das eólicas, mas também alguns riscos com os produtos químicos utilizados na fabricação das palas, que provocam alergias. No sector do tratamento de resíduos e reciclagem, os trabalhadores manipulam produtos com substâncias tóxicas, como por exemplo o lítio das baterias de carros eléctricos ou o mercúrio nas lâmpadas económicas, os produtos derivados de nanotecnologia, os efeitos estão ainda poucos conhecidos.

É imprescindível um trabalho de consciencialização que todos sabemos muito lento, mas em que todos os parceiros sociais, os políticos e os governantes têm uma enorme responsabilidade. Alguns falam da importância de “Construir o Estado Social-Ecológico” no sentido de garantir ao Estado-providência as ferramentas que permitem enfrentar as crises ambientais e garantir o estado social e desencadear uma revolução fiscal que penalize o uso excessivo dos recursos naturais, a começar pelas energias fósseis[19].

A nossa responsabilidade sindical obriga à informação dos trabalhadores e particularmente dos sindicalistas para que possam intervir de forma qualificada nas empresas e nos territórios onde estão inseridos. Nos sindicatos, importa agora incentivar a formação e participação dos delegados sindicais e dos Rt’s – Representantes para a saúde e segurança no trabalho, eleitos pelos trabalhadores, para que defendem a aplicação de medidas em defesa do ambiente e que sejam aplicadas as 3 grandes dimensões do DS. As empresas, na hora de decidir medidas e planos ambientais, devem implicar os representantes dos trabalhadores na reflexão e não os limitar a aplicar o que foi decidido pela direcção. Assim podem contribuir na avaliação da eficácia das medidas; obter apoios para incentivar os trabalhadores; estimular o pensamento e novo comportamento pro-ambiental; melhorar os procedimentos operacionais e acompanhar a aplicação das decisões e ajudar assim a conseguir a eficiência ambiental da empresa.

Agora as exigências climáticas não nos deixam escolha, temos que agir depressa. Esperamos que os comportamentos sejam corrigidos no mais curto espaço de tempo, a bem da economia, do ambiente e da humanidade!¨

 

_______________________________________________

Giorgio Casula

Antropólogo

Departamento para o Desenvolvimento Sustentável e

Departamento para a Saúde e Segurança no Trabalho

da CGTP-IN

10 Novembro 2016

 

[1]     CGTP-IN , Comunicado de Imprensa nº49/2016

[2]     Na sua posição sobre o Orçamento de Estado 2017, CGTP-IN, 17-10-2016

[3]     BIT – Abril 2012

[4]     “Pour une transition sociale-écologique – quelle solidarité face aux défis environnementaux?”,  Éloi Laurent et Philippe Pochet – Ed. Les petits matins/Institut Veblen, 2015.

[5]     “Acordo de Paris”, Convenção Quadro sobre Mudança do Clima, ONU – Paris, 12 de Dezembro 2015.

[6]     “Changement climatique: position de la CES em vue de la COP22”,  CES/ETUC, 26-27 Octobre 2016.

[7]     Resolução do Conselho de Ministros nº24/2010

[8]     Resolução do Conselho de Ministros nº56/2015

[9]     Conhecer os ODS: http://www.unric.org/pt/images/stories/2016/ods_2edicao_web_pages.pdf

[10]   Conferência Internacional do Trabalho, 102ª Sessão, Relatório V, 2013

[11]   Ver  “ECONOMIA CIRCULAR «ABRE ESPERANÇA PARA UMA SOLUÇÃO PRÁTICA DA EMERGENTE CRISE DE RECURSOS» http://www.portugal.gov.pt/pt/ministerios/mamb/noticias/20160411-mamb-economia-circular.aspx – 11-04-2016

[12]   “Changement climatique: position de la CES em vue de la COP22”, CES/ETUC, 26-27 Octobre 2016

[13]   O conceito de trabalho digno (1) resume as aspirações do ser humano no domínio profissional e abrange vários elementos: oportunidades para realizar um trabalho produtivo com uma remuneração equitativa; segurança no local de trabalho e protecção social para as famílias; melhores perspectivas de desenvolvimento pessoal e integração social; liberdade para expressar as suas preocupações; organização e participação nas decisões que afectam as suas vidas; e igualdade de oportunidades e de tratamento para todas as mulheres e homens”.
(1) A expressão “Trabalho Digno”, utilizada em Portugal, dá lugar, em alguns países de língua oficial portuguesa à expressão “Trabalho Decente”. N.T.

        Ver OIT  : http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/html/portugal_visita_guiada_02_pt.htm

[14]   “Principes directeurs pour une transition juste vers des économies et des sociétés écologiquement durables pour tous”,OIT- 2015

[15]   Promouvoir la Santé et la Sécurité dans une Economie Verte, p3, OIT, 2012

[16]   id., p1

[17]   ibid.

[18]   Green Jobs and Occupational on Occuptional Safety and Health – Foresight on new and emerging risks associeted with new technologies by 2020, OSHA, 2013

[19]   “Pour une transition sociale-écologique – quelle solidarité face aux défis environnementaux?”,  Éloi Laurent et Philippe Pochet – Ed. Les petits matins/Institut Veblen, 2015

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