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Transporte Público Rodoviário Urbano: Carris e o seu Potencial Impacto nas Emissões – Filipe Carvalho, Climáximo

Um dos sectores mais importantes em termos de emissões de Gases de Efeito de Estufa (GEE) é o sector dos transportes. Para se cortar nas emissões nacionais, é necessário aumentar a eficiência do transporte de passageiros através da substituição do veículo individual pelos transportes públicos. No presente texto pretende-se estimar as reduções de emissões de GEE num cenário de troca de automóveis individuais por transportes públicos rodoviários. Mais concretamente, vai-se analisar o serviço público prestado pela Carris em particular e estimar potenciais cortes nas emissões associados ao mesmo.

Nas tabelas seguintes estão os dados da oferta, utilização e funcionários efetivos referentes à Carris, para vários anos de atividade.

Ano

2004

2005

2006

2007

2008

2009

Veículo.km (milhões)

42,2

40,1

39,7

40,6

41

41,6

Passageiros (milhões)

256,6

240,8

234,9

236,4

234,4

240,4

Passageiros.km (milhões)

850,5

796,3

775,8

768,9

758,3

786,1

Pass./Veículo

20,2

19,9

19,5

18,9

18,5

18,9

# Funcionários efetivos

2778

2766

2761

 

Ano

2010

2011

2012

2013

2014

2015

Veículo.km (milhões)

41,4

38,2

34,5

32,8

31,8

30,7

Passageiros (milhões)

184,4

183,7

155,7

149,7

144,4

144,8

Passageiros.km (milhões)

613,6

614,8

510,9

467,3

448,2

453,8

Pass./Veículo

14,8

16,1

14,8

14,2

14,1

14,8

# Funcionários efetivos

2771

2634

2396

2255

2141

1995

Tabelas 1 e 2 – Indicadores de atividade da Carris relativos aos anos 2004 a 2015 [1] [2]. Os números a azul foram obtidos com base numa metodologia diferente da dos homólogos dos anos anteriores.

Nestas tabelas as grandezas Veículo.km e Passageiros.km são a multiplicação do número de veículos ou passageiros pelas distâncias totais percorridas por cada um, ou seja, o número total de quilómetros percorridos por todos os veículos ou passageiros num determinado ano. Como se pode observar, a Carris reduziu a sua atividade ao longo dos últimos anos, tanto a nível de oferta (menos veículos em circulação e/ou menores carreiras), como a nível de procura (menos passageiros por ano). Isto reflete-se também no número de funcionários efetivos, como se pode ver no gráfico seguinte:

carris

Gráfico 1 – Número de funcionários efetivos na Carris entre 2007 e 2015.

O número de efetivos era mais ou menos estável até 2010 e tem vindo a diminuir até ao presente. Assume-se que esta diminuição de atividade deve-se ao desinvestimento intencional neste serviço público por parte do governo e não a uma diminuição da procura por parte dos utilizadores. Portanto, nas estimativas efetuadas neste texto, considerou-se como “ótimo” o número de funcionários efetivos durante os anos 2007 a 2010, relativamente à utilização do serviço (isto é, ao número de passageiros.km).

No entanto, devido ao facto de a metodologia de obtenção dos dados ser diferente para dados a partir de 2010, analisar a utilização deste serviço torna-se menos trivial. Pretende-se determinar qual a razão entre o número de efetivos “ótimo” e a utilização do serviço. Para o número de efetivos “ótimo” fez-se a média do número de funcionários efetivos entre 2007 e 2010, que dá 2769 trabalhadores. Decidiu-se confiar na metodologia recentemente implementada, que mediu, para o ano de 2010, uma utilização do serviço de 613.6 milhões de passageiros-quilómetro. O rácio assim obtido é de cerca de 4.51 efetivos por cada milhão de passageiros-quilómetro. Esta é a proporção que se considera como “ótima”, ou seja, que permite que o serviço seja eficiente, com tempos de espera relativamente baixos e com boa capacidade de resposta face a eventuais problemas que surjam.

Com esta proporção é possível estimar quantos funcionários efetivos são necessários para uma dada utilização do serviço. Como ponto de partida, no curto prazo, parece perfeitamente razoável pretender aumentar a utilização deste serviço para os valores medidos (com a metodologia antiga) nos anos 2004 a 2009. A média da utilização deste serviço neste intervalo de tempo é de cerca de 789.3 milhões de passageiros-quilómetro, que, mantendo a proporção assumida anteriormente, implica que estejam em serviço cerca de 3562 funcionários efetivos, ou seja, que sejam criados cerca de 1560 novos postos de trabalho em relação a 2015.

A utilização de transportes públicos em geral está dependente do preço dos bilhetes e passes, cujo valor depende também do investimento do Estado neste sector. Portanto incentivar a utilização dos transportes públicos implica obrigatoriamente investimento público neste sector, não só para expandir os serviços, mas também para manter e melhorar o que já existe. Isto é imperativo: reduzir as emissões nacionais de GEE é absolutamente necessário e o transporte público é um eixo fundamental para as referidas reduções. Se a gestão que tem sido feita até agora fosse capaz de melhorar e expandir este sector, tê-lo-ia feito; em vez disso, registaram-se reduções na atividade e os serviços têm-se vindo a degradar, na opinião dos utilizadores [3].

Para se ter melhor noção das implicações da expansão do sector dos transportes públicos urbanos rodoviários na região de Lisboa, fez-se uma estimativa na redução de emissões que se poderia obter caso a utilização da Carris fosse o dobro da meta considerada anteriormente.

Nestas próximas estimativas assume-se:

– que cada novo utilizador da carris deixou de ser um condutor isolado, ou seja, ignoram-se os casos em que o veículo individual transporta mais do que uma pessoa e estas trocam-no pelo autocarro por exemplo (esta assunção é necessária por razões técnicas);

– que o rácio de funcionários efetivos e a utilização do serviço “ótimo” é o determinado anteriormente;

– que o rácio de passageiros por veículo de transporte público “ótimo” é a média entre os anos 2004 a 2009, que é de cerca de 19 passageiros/veículo;

– que os veículos da carris são, em média, equivalentes a 1 automóvel genérico (um autocarro emite mais que um carro mas os elétricos não consomem gasóleo).

Pretende-se então com isto que a utilização da Carris aumente dos cerca de 789 milhões de passageiros-quilómetro tidos como meta anteriormente para o dobro (1579 milhões); ou seja, que o aumento na utilização, relativamente a 2015, seja de 1125 milhões de passageiros-quilómetro. Este aumento na utilização de transportes públicos rodoviários tem de ser abatido na utilização geral de transportes rodoviários.

Sabe-se que em 2014 a utilização de transportes rodoviários foi de cerca de 70 mil milhões de veículos-quilómetro (fazendo a média das distâncias médias anuais percorridas por cada tipo de automóvel e multiplicando este valor pelo número de automóveis presumivelmente em circulação) [4] [5]. É deste valor que se deduz a utilização dos transportes da Carris em prol dos individuais. É aqui que entra o rácio de passageiros/veículo, que permite converter os passageiros-quilómetro que se pretendem aumentar em veículos-quilómetro. A utilização de veículos rodoviários em geral baixa então de 70 mil milhões de veículos-quilómetro para 69 mil milhões de veículos-quilómetro, ou seja, poupam-se mil milhões de quilómetros coletivamente percorridos por vários veículos individuais.

Dado que em 2014 as emissões nacionais associadas ao transporte terrestre rodoviário eram de cerca de 15.1 MtCO2e (megatoneladas de gases de efeito de estufa equivalente ao dióxido de carbono) [4], mantendo a proporção entre as emissões e a utilização de veículos, estimam-se assim emissões para este sector, resultado apenas do aumento da utilização dos serviços da Carris, de cerca de 14.9 MtCO2e.

Para por esta diminuição de emissões em perspetiva, considere-se as emissões nacionais per capita em 2014: de um total de 64.6 MtCO2e emitidos em 2014 [4], dividindo pela população residente em Portugal no mesmo ano, 10.37 milhões de pessoas [6], obtém-se 6.23 tCO2e por pessoa. Isto significa que o aumento considerado na utilização da Carris é equivalente ao corte das emissões totais anuais associadas a cerca de 37 mil pessoas.

Neste cenário, mantendo as proporções referidas, estimam-se que sejam necessários cerca de 7100 trabalhadores efetivos, ou seja, 5100 novos empregos face ao número atual.

Referências

[Tabelas 1 e 2 – Indicadores de atividade da Carris relativos aos anos 2004 a 2015 [1] – http://www.carris.pt/pt/indicadores-de-atividade/

[2] – http://www.carris.pt/pt/relatorios-e-contas/

[3] – Luísa Pinto (2015, 9 de Dezembro), “Transportes de Lisboa e Porto são os serviços com mais clientes insatisfeitos”, Público, retirado de www.publico.pt

[4] – Teresa Pereira, Tiago Seabra, Ana Pina, Paulo Canaveira, André Amaro, Mónica Borges (2016, Abril), “Portuguese National Inventory Report on Greenhouse Gases, 1990 – 2014, Agência Portuguesa do Ambiente.

[5] – “Estatíticas dos Transportes e Comunicações 2014“, Instituto Nacional de Estatística.

[6] – “Estatísticas Demográficas 2014”, Instituto Nacional de Estatística.

 

 

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