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Financiamento dos Empregos para o Clima – Izaura Pires de Carvalho, Gonçalo Pessa, José Ricardo Sequeira

Como parte da campanha, onde partimos de um objectivo de redução das emissões de CO2 em 60% nos próximos 15 anos, concluiu-se pela necessidade da criação de 100 mil empregos para o clima em Portugal. O objectivo seria que estes empregos fossem financiados e associados ao sector público, que controlaria o esforço nesta transição energética. Mais à frente, o objectivo passaria pela descentralização democrática destes empregos e projetos associados para controlo de autoridades locais, associações e cooperativas.

Como financiar esta transição de uma economia predominantemente movida a energias fósseis para uma economia verde? Apresentamos de seguida vários cenários para o fazer, sem que isso se reflita numa subida dos preços de energia e sem que aumente a carga para um contribuinte mediano.

Imposto sobre o Rendimento – Rever os escalões

Os escalões existentes de IRS prevêem uma certa progressividade, aplicando taxas que crescem com o aumentos dos rendimentos. Aumentar a carga fiscal nos escalões mais altos fará aumentar a receita pública sem pesar na população com menos recursos, contribuindo igualmente para a diminuição das desigualdades.

Na Suécia, um país com níveis de desenvolvimento e riqueza mais altos do que a média da OCDE, o último escalão de imposto sobre o rendimento é de 59.7%. Se ponderarmos utilizar os escalões de IRS aplicados na Suécia à franja da população portuguesa com rendimentos acima dos 250 mil euros por ano[1], observamos que o Estado conseguiria arrecadar, durante um ano, pelo menos 63 milhões de euros.

As famílias com estes níveis de rendimento correspondem a uma percentagem ínfima da população portuguesa – em 2015, estimava-se que apenas 0,05% da população teria rendimentos tão elevados, comparativamente com a média do rendimento auferido da população portuguesa. Fará portanto sentido que paguem um pouco mais para a construção desta nova economia verde, que beneficiará os restantes 95,95%.

Aplicação de uma taxa por cada transação financeira (Robin Hood)

O chamado imposto Robin-Hood, cuja aplicação é proposta desde 1971, incide sobre transações financeiras que envolvam ações, títulos, moedas, derivados ou outros valores mobiliários. Em apenas um ano, a economia portuguesa tem tido a capacidade para fazer circular centenas de milhares de milhões de euros, apenas taxados quando auferem mais-valias aos seus detentores. Esta taxa seria idealmente aplicada num modelo de “cooperação reforçada” entre os países da zona euro, de modo a não realocar as atividades financeiras para outras zonas europeias com quadros fiscais mais atrativos e esvaziar esta atividade a um nível nacional. Em 2012, 11 países da União Europeia deram luz verde à criação desta taxa, abrindo caminhos para uma mudança legislativa.

A então aplicação da taxa asseguraria que os intermediários financeiros ou negociadores que promovem a especulação contribuam de forma mais equitativa e proporcional à sua atividade. A aplicação de um imposto de 0,1% – o limiar mínimo definido para o imposto Robin Hood – por cada transacção financeira executada teria tido capacidade de gerar, num ano, aproximadamente 434 milhões de euros em receitas fiscais, facilmente canalizadas para o orçamento público.

Offshores

As transferências para paraísos fiscais sugam grandes quantidades de rendimentos para fora do país antes de serem taxados. Em Países como as Bahamas, Hong Kong, Ilhas Caimão ou o Uruguai é fácil obter licenças para constituir empresas, de forma anónima e sujeita a tributações muito baixas ou nulas. Portugal perdeu em 2015 8,9 mil milhões de euros para offshores.

Se aplicarmos a estas transferências um imposto de 5%, assumindo conservadoramente que este imposto reduz o volume das transferências a metade, o estado pode arrecadar 222 milhões de euros em receita fiscal para financiar este programa de conversão ecológica.

A recolha sistemática de dados estatísticos sobre a natureza económica destas transferências deve ser imposta para que seja possível diferenciar impostos sobre rendimentos de trabalho e sobre transferências de capitais, dividendos ou juros. Com essa informação poder-se-ia aplicar um imposto por escalões semelhantes aos escalões de IRS discutido acima. Por exemplo segundo a Autoridade Tributária, as tranferência para offshores garantiram uma taxa efetiva sobre rendimentos de 29% a 240 agregados com rendimentos superiores a 5 milhões de euros. Fazendo uso das estatísticas da natureza económica e aplicando a reforma de IRS discutida acima o Estado conseguiria arrecadar 49.9 milhões de euros.

Horizon2020

O Horizonte2020 é um programa da União Europeia que se propõe a financiar projectos de investigação e inovação no âmbito do desenvolvimento sustentável, bem como co-financia projectos ligados a energias renováveis e à diminuição da emissão de dióxido de carbono e outros poluentes. Mais especificamente, este programa da UE coloca ênfase na excelência da ciência, liderança industrial e em atacar desafios societais. Neste último campo encontram-se as secções da energia segura, limpa e eficiente, e das alterações climáticas. Sob estas duas bandeiras do programa, o sector público português poderia obter fundos para o financiamento do projecto de transição.

O processo de avaliação de propostas leva 3 meses.Se aceite, são acordados os termos do projecto e é feito o financiamento. Alguns projetos já foram financiados em Portugal, e chegaram a receber 4 milhões de euros. Se o Estado Português, através de parcerias públicas, conseguisse arranjar financiamento para 10 projetos, que recebessem esse valor em média e fossem dirigidos para a criação de empregos na transição energética, conseguiríamos 40 milhões para estes projetos, de um fundo que totaliza 80 mil milhões de euros.

Como financiar os empregos?

  • Aplicação de um imposto a cada transação financeira: 434M€
  • Imposto sobre offshores: 272M€
  • Aumento do escalão de IRS para as famílias mais ricas: 63M€
  • Fundos da União Europeia HO2020: 40M€
  • TOTAL:  809M€

Izaura Pires de Carvalho, economista
Gonçalo Pessa, economista
José Ricardo Sequeira, economista

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[1]  Dados de 2015, onde se estimavam existir 2276 de 5 milhões de agregados familiares a receberem mais de 250.000€ por ano (Pordata)

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