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A base para uma transição justa: Democracia Energética – Sinan Eden, Climáximo

É preciso cortar as emissões em Portugal em 60-70% nos próximos 15 anos. Mesmo de uma ponto de vista técnico, isto significa mudar tudo: mudar a forma como produzimos energia, mudar os meios de transporte, mudar a forma como distribuímos e consumimos produtos e mudar a forma como funciona a nossa sociedade. Ou isto, ou o clima vai mudar tudo: secas crónicas, inundações, falhas de infraestrutura, crises de alimentação e água, refugiados climáticos, colapso da biodiversidade, epidemias, conflitos sociais…

As campanhas pela justiça climática baseiam-se em lições aprendidas ao longo de mais de 20 anos de negociações sobre transição energética, desenvolvimento sustentável, economia verde e muitos outros termos introduzidos ao longo das décadas.

Resumidamente, a nossa proposta é Democracia Energética:energydemocracyheader

  • utilização de fontes de energia limpas e sustentáveis,
  • sob controlo público,
  • e gestão pelas comunidades.

1) Energia Limpa e Sustentável

Para nós, a sustentabilidade é uma questão de democracia.

Em primeiro lugar, o funcionamento normal da indústria dos combustíveis fósseis de hoje é um investimento direto nas catástrofes do futuro. Uma subida de 2 graus nas temperaturas médias globais significaria desertificação, falhas de infraestrutura, fenómenos meteorológicos extremos mais fortes e mais frequentes, e conflitos sociais. Não podemos ser nós a tomar a decisão de condenar as gerações futuras a esta realidade. Para que estas gerações futuras tenham a possibilidade de decidir, temos de preservar as bases mínimas para um planeta habitável.

Mas as alterações climáticas não são uma espécie de cenário hipotético para o futuro: já há milhões de pessoas a sofrer com os seus impactos nos dias de hoje. O investimento em projetos de combustíveis fósseis e a manutenção dos projetos existentes têm impactos nas Filipinas, no Bangladeche, na África subsahariana, na América do Sul e em muitas outras partes do mundo. O planeta Terra não reconhece as fronteiras criadas pela humanidade, os impactos são mundiais e as populações mais vulneráveis são as que mais sofrem. As alterações climáticas limitam as suas possibilidades e condicionam as suas decisões. Uma transição para energia limpa e sustentável significa também que estas populações teriam maior capacidade de autodeterminação.

2) Controlo Público

Democracia energética é sobre transição. Não uma transição em papel ou em relatórios financeiros, mas uma verdadeira transição, uma saída do atual modelo socioeconómico em direção a uma sociedade justa. Temos pouco tempo para agir, por isso temos de garantir que os interesses privados não corrompem boas ideias.

Temos de aprender com os 20 anos de experiência de luta.

Antes da cimeira das Nações Unidas de 2009 em Copenhaga, queria tudo ser “verde”. As multinacionais apresentaram-se com uma imagem verde e a BP até mudou o seu logótipo e o seu slogan passou a ser Beyond Petrolium (“para além do petróleo”). Depois desta mudança cosmética, a BP investiu em energias renováveis, em valores microscópicos em comparação com o seu poder económico, mas enormes em relação ao volume do mercado emergente das energias renováveis. A Chevron e a Shell fizeram o mesmo. Assim, bloquearam a entrada de quaisquer outros agentes, garantindo praticamente um monopólio sobre o mercado das energias renováveis. Então, quando a cimeira de Copenhaga colapsou, todas estas empresas se distanciaram dos investimentos em energias renováveis e acabaram por abandonar a maior parte dos seus planos. Agora estão ativamente a bloquear a transação, com o seu poder económico estabelecido sobre o sector.maxresdefault

O interesse das empresas privadas num futuro limpo e sustentável é arbitrário. Apenas se interessam em fazer mais e mais lucro e se algumas vezes pode suceder que as energias renováveis sejam lucrativas, outras vezes é melhor para o seu negócio bloquear a transição.

Passa-se o mesmo com os subsídios públicos às empresas verdes. Quando se trata de ganhar dinheiro, há uma abundância de soluções para cada empresa projetar uma imagem mais verde, independentemente se ser ou não genuinamente sustentável.

A habitabilidade do planeta é uma questão demasiado séria para ficar como uma esperança de efeito secundário do funcionamento normal da economia. Temos literalmente apenas uma ou duas décadas para nos encaminharmos para uma verdadeira transição energética. É por isto que o debate deve ser retirado do plano das preocupações com a maximização do lucro. Esta é uma decisão sobre a nossa sociedade, o nosso planeta, o nosso presente e o nosso futuro.

É por isso que democracia energética significa controlo público da energia.

3) Gestão pelas Comunidades

O controlo público permite que haja mais escrutínio público, regulação e documentação, mas ainda assim os governos tendem a representar os maiores interesses económicos, colocando o poder nas mãos de multinacionais e não das pessoas.

Projetos de grande escala com pouca ou nenhuma participação popular têm tendência a gerar mais conflitos do que coesão – como tem acontecido por exemplo nos projetos de construção de grandes barragens e parques eólicos. Por princípio, numa transição justa não devemos ser nós, os 99%, a pagar as consequências. Até agora, milhões de nós pagamos já os custos sociais da indústria dos combustíveis fósseis quando as nossas terras são afetadas por secas ou quando as nossas cidades são atingidas por tempestades. Para fazer com que os verdadeiros responsáveis paguem, precisamos de envolvimento direto pelas comunidades nesta transição.

Isto pode tomar diversas formas: para projetos centralizados como fábricas ou centrais elétricas, pode ser uma mistura entre participação dos trabalhadores e envolvimento da população local, articulado com gestão a nível nacional. Há também outras formas de “parcerias público-públicas” que podem ser utilizadas nos transportes públicos urbanos: o governo central é responsável pelo financiamento do serviço, enquanto a gestão é feita a nível municipal. Um outro exemplo é a produção localizada em pequena escala (de energia ou de comida, por exemplo), que pode ser organizada dentro de cada bairro, em coordenação com o governo local e nacional.

Admitimos ainda que várias unidades de produção energética públicas e privadas terão de ser rapidamente encerradas, se queremos completar a transição a tempo: refinarias, minas de carvão, centrais elétricas alimentadas com combustíveis fósseis etc. Uma transição justa significa que os trabalhadores destes sectores e mais geralmente as comunidades afetadas pelos encerramentos não terão de sofrer as consequências. Temos de garantir que terão oportunidades de emprego alternativas, com acesso a requalificação e garantia de emprego. Isto só é possível com o envolvimento direto destas pessoas: auto-gestão, mais uma vez.

Um caminho para a democracia energética: Empregos para o Clima

Vemos os Empregos para o Clima como uma campanha de luta em união e como um caminho para a democracia energética. Os quatro princípios desta campanha são:

  • novos empregos (e não reciclagem/rebranding de empregos existentes)
  • no sector público
  • com o objetivo de cortar as emissões de gases de efeito de estufa (transformando os setores poluentes em modelos limpos e sustentáveis),
  • garantindo empregos e requalificação para os trabalhadores dos setores poluentes.

Estes princípios derivam do nosso conceito de Democracia Energética. Defendemos inequivocamente que esta é a solução política e moralmente correta para a crise climática, mas acreditamos também que se queremos que esta transição ocorra durante as nossas vidas, não há outro caminho possível. A Democracia Energética pode bem ser a nossa única possibilidade, e a campanha dos Empregos para o Clima está a apontar o caminho.

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1 comentário em “A base para uma transição justa: Democracia Energética – Sinan Eden, Climáximo”

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