No dia 27 de Maio, foi organizada uma conversa no café Ponto de Encontro em Sines, sobre o futuro de Sines e da região, em que foram apresentados alguns resultados do Estudo de Caso sobre Transição Justa em Sines, particularmente a parte relacionada com os transportes públicos.
Começámos por destacar o ciclo vicioso:
Falta de transportes públicos, como justificação da necessidade de produzir gasolina e gasóleo na Refinaria da Galp em Sines. Consequentemente isto serve para justificar a necessidade de importação de petróleo no Porto de Sines, o que pela sua vez implica custos altíssimos de combustíveis que portanto devem ser subsidiados em várias formas (subsídio directo, impostos reduzidos, etc.). Depois isto implica que não haja dinheiro para investimento público, que consequentemente justifica a falta de transportes públicos de novo.
Um ciclo vicioso pode servir para desviar uma discussão, o que frequentemente acontece nos debates sobre qualquer ponto do ciclo. Quando se fala da necessidade duma transição justa para a refinaria, surge que o petróleo refinado é necessário porque não há transportes públicos. Quando se contesta a importação de petróleo dos países como Arábia Saudita ou Azerbaijão, é levantado o argumento de que isso é melhor para a economia portuguesa do que comprar produtos petroleiros.
Um ciclo também pode servir para garantir um impacto estrutural. Cada intervenção em qualquer ponto do ciclo (aumentar transportes públicos, construir um plano de encerramento da refinaria, ou aumentar o investimento público em geral) tem impacto imediato nos outros pontos do ciclo. Ou seja, o facto de o problema ser estrutural permite-nos intervir em vários pontos com uma lógica de complementaridade.
Nesse sentido, falámos sobre o sector dos transportes, que é responsável por 28% das emissões de gases com efeito de estufa, do qual 70% se deve à rodovia. Mesmo assim, o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 e o Plano Nacional de Energia e Clima 2030 não têm sequer um subcapítulo dedicado a transportes públicos. Por outro lado, o Plano Nacional de Investimentos 2030 prevê um investimento total de 16 mil milhões de euros em transportes públicos até 2030, enquanto um plano compatível com uma verdadeira transição justa implicaria 20 mil milhões de euros por ano. Isto faz com que os planos actuais fiquem aproximadamente 93% aquém das necessidades.
Depois desta abertura, falámos concretamente sobre Sines e sobre o Alentejo Litoral, e as pessoas que participaram na conversa partilharam as suas experiências com mobilidade e transportes. Discutimos diversos assuntos como mobilidade partilhada pública, serviços de autocarros com percursos flexíveis, projectos de hidrogénio, a municipalização de energia e as cooperativas de energias renováveis. Queremos recordar dois contributos que nos marcaram nesta parte.
O primeiro foi duma médica que trabalha em Sines e vive no Porto Covo, que apesar de ficar dentro do concelho não tem ligação conveniente de transportes públicos. Esta participante contou-nos que ela foi obrigada a arranjar um carro para conseguir ir ao trabalho, apesar de muitas vezes fazer esse percurso de bicicleta. Destacamos esta história porque é a história de muitas pessoas que não estão a utilizar o carro individual por gosto mas por falta de alternativas e que mesmo assim optam por soluções mais ecológicas.
O segundo foi duma ex-trabalhadora da empresa Metal Sines, que durante décadas produziu vagões para os comboios mas com as políticas nacionais que favoreceram as auto-estradas e o abandono da ferrovia entrou na decadência. Ainda continuou a produzir contentores para o porto, mas alguns anos atrás acabou por encerrar-se. Isto seria uma empresa essencial para uma transição justa, que na altura empregava mais de 400 pessoas. Nos anos 2010, ficou com 20 trabalhadores, antes de entrar em insolvência. Esta história mostra-nos que as políticas nacionais têm impactos em diversas empresas. Mas também conta-nos como acontece um encerramento: quando se fala de transição justa, foca-se normalmente nos trabalhadores que estão na empresa no dia de encerramento, mas muitos saem bem antes – seja por não renovação dos contratos ou dos serviços, seja por acordos internos, seja por desistência das pessoas que ficam com medo de ir ao desemprego. Observou-se este processo também na central termoeléctrica da EDP em Sines nos últimos anos.
Agradecemos imenso a participação do público que enriqueceu o Estudo de Caso da campanha que procura abrir um debate público sobre como pode acontecer uma verdadeira transição justa em Sines.