Na sequência do lançamento do manifesto Por um Serviço Público de Energias Renováveis, o Grupo de Trabalho estudou como é que este serviço pode ser criado para garantir a transição justa de que precisamos perante a agravante crise climática. Apresentamos de seguida alguns exemplos históricos de apropriação pública em Portugal e noutros países que mostram que a propriedade pública é possível e traz importantes benefícios. Em breve será lançado o relatório que concretizará mais a fundo esta proposta. Fica atenta/o!
A formação da Hydro-Québec por compra em mercado
Em 1960 Jean Lesage assume o poder no estado canadiano do Quebec, naquilo que mais tarde veio a ser conhecido como a “Revolução Silenciosa”. Neste período de expansão de direitos sociais, o Estado Quebecois avançou com uma agenda soberanista de nacionalização do setor elétrico. À Hydro-Quebec, que já tinha sido nacionalizada em 1944, o Quebec acrescentou 11 distribuidores privados, 45 cooperativas e 20 sistemas elétricos municipais, e reservou os direitos de novas explorações à empresa estatal. A nacionalização foi feita através da compra destas empresas em mercado ao longo de um ano com 300 milhões de dólares obtidos num empréstimo do governo dos EUA. Apesar da descarbonização não ter sido o objetivo primário deste plano no Quebec, de ter envolvido danos ambientais e ter sido facilitado pela geografia deste Estado, é de notar que, atualmente, quase toda a eletricidade do Quebec provém de fontes renováveis, em especial hídricas. Além disso, hoje, a Hydro-Quebec não atua só na produção, como também na transmissão e distribuição de eletricidade.
Fonte: https://energie.hec.ca/wp-content/uploads/2021/02/EEQ2021_web.pdf
A primeira nacionalização da revolução portuguesa de 1974-1975
Em 1941, o Estado português atribui a concessão de abastecimento de água de Lisboa à Companhia das Águas de Lisboa (CAL), a única empresa privada (e a maior) de abastecimento de água em Portugal, que deveria caducar a 30 de Outubro de 1974. Antes dessa data chegar, a 25 de Abril de 1974, começa uma situação revolucionária. Pouco depois, no dia 21 de Maio de 1974, a sede da CAL foi ocupada. Nas janelas do edifício da sede, foi colocado o seguinte letreiro: “Democratização igual a Nacionalização; garantimos total abastecimento, garantimos a livre saída e entrada dos trabalhadores reunidos na sede; exigimos saneamentos”. Estas foram as exigências da Comissão Coordenadora dos Trabalhadores junto do I Governo Provisório: a nacionalização da empresa (sem indemnização do capital acionista), a demissão dos seis administradores, do engenheiro-chefe e do chefe dos Serviços Centrais, e a garantia de que “representações livremente eleitas pelos trabalhadores” fossem aceites como “co-responsáveis pelos destinos da empresa”. Os trabalhadores reclamaram ainda contra os “baixos salários, carência de produto e altos dividendos, com manifesto prejuízo para os 1 300 trabalhadores da empresa e para o consumidor”. Durante a ocupação pelos trabalhadores, o abastecimento de água foi garantido. Perante a ocupação, o Conselho de Ministros de 24 de Junho aprovou a resolução de assumir a administração e posse de todas as obras e águas da CAL, bem como o inquérito aos atos praticados pela CAL na vigência dos contratos de concessão. A resolução do Conselho de Ministros suscitou uma forte contestação por parte dos acionistas da empresa no respeitante ao “congelamento do Fundo de Reconstituição de Capital da Companhia das Águas de Lisboa decretado pelo Governo até à realização de um inquérito à real remuneração de capital, de forma a permitir um juízo de equidade social quanto a este último aspecto e habilitar o Governo a uma decisão definitiva quanto ao destino a dar ao Fundo de Reconstituição de Capital”. Poucos dias depois da resolução, cessou a ocupação das instalações. Uns meses mais tarde, a CAL dá origem à Empresa Pública das Águas de Lisboa (EPAL). Foi a primeira de várias nacionalizações do período revolucionário de 1974-1975.
Fonte: https://www.sabado.pt/portugal/detalhe/como-foi-a-primeira-nacionalizacao-em-portugal
A nacionalização da banca em Portugal
Em 1974, para responder à crise económica, o governo provisório decidiu-se pela injeção de capital na economia através do Banco de Portugal, que passou a oferecer crédito barato à banca privada, para que esta o fizesse chegar às pequenas e médias empresas para resolverem problemas de tesouraria. Mas a medida não correu como esperado. A banca não usou o capital conforme as determinações do governo. O Banco de Portugal era incapaz de avaliar a aplicação do crédito e recebia cartas de pequenos empresários a queixar-se de retração do crédito pelos bancos. Tratava-se de uma operação de sabotagem económica pelos banqueiros contra a revolução e a democratização. Alarmado com a fuga de capitais e o desrespeito pelas indicações governamentais, o Sindicato dos Bancários de Lisboa (SBL) intensificou ações de vigilância às instituições, através de piquetes para controlar a atividade das administrações dos bancos. Os trabalhadores tornaram-se o regulador da banca, denunciando e fornecendo provas de desvios de fundos e financiamentos ilícitos. Mais tarde, denunciam o envolvimento dos banqueiros na tentativa de golpe militar de 11 de Março de 1975. Na manhã do próprio dia, os bancários mandam fechar os bancos através duma circular interna: “Camaradas, face à tentativa desesperada dos restos da escumalha fascista, o sindicato de Lisboa decidiu: encerrar os bancos”. A medida “destina-se a proteger os valores à guarda dos bancos da rapina das administrações reaccionárias”, ou seja, a impedir maior fuga de capitais. O sindicato passa de vigilante a controlador da banca, e a 13 de Março exige “medidas imediatas contra os monopólios e latifundiários, pondo a economia ao serviço do povo”. No dia seguinte, a 14 de Março, o Conselho da Revolução oficializa a nacionalização da banca comercial, sob a justificação da banca se caraterizar “como um elemento ao serviço dos grandes grupos monopolistas”. A nacionalização da banca marca o início de uma onda de nacionalizações durante as semanas seguintes, que atinge um total de 244 empresas, incluindo todos os bancos, seguradoras, siderurgia, transportes, energia, cimentos, celulose e tabaco. Estas medidas foram pouco polémicas na altura, as reivindicações de nacionalização eram gerais entre a classe trabalhadora e os partidos políticos até ao PPD (hoje PSD) tiveram que apoiar as nacionalizações.
As nacionalizações do pós-guerra na Europa Ocidental
Ao terminar a Segunda Guerra Mundial, a situação nos países da Europa Ocidental afetados pela guerra era de pobreza, destruição e radicalização política. O papel da URSS na derrota do fascismo tinha aumentado a visão positiva sobre o modelo de planificação económica entre a classe trabalhadora europeia, bem como o papel dos partidos comunistas e socialistas e dos sindicatos. A expansão da influência direta da URSS sobre a Europa de Leste e Central causava medo às classes capitalistas e aos seus dirigentes políticos na Europa Ocidental. Os trabalhadores, armados e fustigados pela guerra, culpavam o capitalismo e o livre mercado por ter criado as condições para a ascensão do fascismo e o começo da guerra. Mais que isso, tinham observado diretamente a colaboração direta da maior parte dos capitalistas com o lado fascista da guerra, pondo ao seu serviço as indústrias e força de trabalho que controlavam. Em troca do desarmamento e do abandono das perspectivas revolucionárias das classes trabalhadoras, o Estado Social foi criado com a expansão de serviços públicos de saúde, educação, pensões e habitação. Ao mesmo tempo, a necessidade de reconstrução perspectivava um enorme potencial de crescimento económico, ao mesmo tempo que o esforço de reconstrução requeria um elevado grau de planificação económica pelo Estado capitalista. Todos estes fatores contribuíram para uma onda de nacionalizações na Europa Ocidental, que respondia quer a reivindicações de socialização da economia quer a reivindicações de intervenção estatal em apoio à modernização do capitalismo de propriedade privada. No Reino Unido, foi nacionalizado o Banco de Inglaterra, a empresa de aviação civil, as indústrias de carvão e ferrovia, serviços de eletricidade, água e gás e as indústrias de ferro e aço. Em Itália foi nacionalizado não só o banco central como também os bancos comerciais, bem como uma boa parte do setor dos seguros, uma grande parte das indústrias militar, de ferro e de aço, uma pequena parte do setor energético, as comunicações e os portos. Em França, rapidamente foi nacionalizado o Banco de França, 4 grandes bancos de depósitos, infraestruturas, a empresa de aviação, minas de carvão, dois terços das empresas de seguros, produtores de gás e eletricidade., Empresas como a Renault foram nacionalizadas sem indemnização por terem produzido veículos para o exército nazi durante a Ocupação. Em 1946, o Estado francês controlava 98% da produção de carvão, 95% da eletricidade, 58% do setor bancário, 38% da produção automóvel e 15% do PIB. Estas nacionalizações na Europa Ocidental nas circunstâncias pós-Segunda Guerra Mundial permitiram um elevado nível de planeamento estatal em capitalismo, geralmente usado para modernizar e reestruturar empresas com elevada empregabilidade, criar novas indústrias e orientar os setores dos transportes e da energia para maior sustentabilidade. Contribuíram também para fasear o desaparecimento da indústria do carvão e, nalguns casos, a sua substituição pela indústria de produção de eletricidade por fissão nuclear.
Fonte: https://www.bbc.co.uk/bitesize/guides/zsd68mn/revision/6
E em 2023 em Portugal, como controlar o setor energético para garantir uma transição justa dentro dos prazos definidos pela ciência climática?
Fica atento/a para não perderes a sessão de lançamento do relatório por um Serviço Público de Energias Renováveis.