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Descarbonizar a Economia Portuguesa Criando Milhares de Empregos – Sinan Eden, Climáximo

A transição para uma economia baixa em carbono a partir do contexto português atual (onde três quartos da energia é proveniente de combustíveis fósseis) será uma enorme transformação com o potencial para criar dezenas de milhares de empregos se for conduzida de acordo com uma visão de transição justa.

Como tornar Portugal 100% renovável e quantos empregos seriam necessários para esta transição? Neste artigo, tentamos chegar a alguns resultados preliminares e aproximações a estas questões.

Admitimos que é possível melhorar quase tudo neste artigo. O objetivo é apenas chegar a estimativas razoáveis e clarificar quais as questões que precisam de ser estudadas em mais detalhe. Com este objetivo em mente, tornamos públicas todas as referencias e todos cálculos e agradecemos comentários e criticas para melhorar as nossas estimativas.

§0. Consideramos um caminho de redução de emissões compatível com o objetivo de evitar uma subida de 2°C das temperaturas globais, com base na Climate Equity Reference Calculator, desenvolvida pelos cientistas da EcoEquity e do Stockholm Environmental Institute. Estas instituições apontam para uma transição até 2030, pelo que consideramos um período de transição de 15 anos.

1. Consumo Energético

§1. De acordo com a Agência Internacional de Energia, o consumo de energia primária total (Total Primary Energy Supply – TPES) em Portugal e equivalente a 21.1 milhões de toneladas de petróleo (abreviado 21 Mtoe), da qual três quartos e importada. Os sectores de maior consumo são a indústria e os transportes, seguidos pelo sector residencial e pelo sector de comércio e outros serviços (incluindo agricultura e pescas). (Figura 1)

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§2. No Plano Nacional de Ação para a Eficiência Energética (PNAEE, 2016), o governo Português definiu um objetivo de eficiência energética para reduzir o consumo de energia primária em 20% até 2020. [IEA, pp. 46-50]

Acreditamos que uma redução de 45-50% é possível, por duas razões:

Em primeiro lugar, apontamos para uma transição até 2030, tendo assim 10 anos para melhorar a eficiência energética após a meta do PNAEE.

A segunda razão é o conceito de suficiência energética (ver [FOEI].) Eficiência energética significa, “fazer mais usando menos” enquanto suficiência energética significa a produção dos bens e serviços necessários fazendo as coisas de forma diferente. Por exemplo, comprar um carro novo com menor consumo de gasolina é um exemplo de eficiência energética, enquanto a introdução de transportes públicos para reduzir a utilização do transporte individual seria uma política de suficiência energética. Para além de melhores políticas de transportes públicos coletivos, outras áreas chave para uma intervenção desta natureza são a introdução de melhores práticas de agricultura e a localização da produção energética.*

§3. Com isto chegamos a níveis de consumo de energia primária de 11 Mtoe em 2030.

§4. Portugal já produz cerca de 3 Mtoe a partir de biocombustíveis e transformação de resíduos. Temos algumas dúvidas de natureza ética, política e técnica sobre os biocombustíveis. No entanto, parte desta produção provém do uso direto de biomassa para aquecimento, e parte e utilização de resíduos sólidos municipais em centrais de co-geração (que produzem eletricidade e calor). Embora tendo algumas reservas sobre políticas florestais em Portugal, assumimos que esta capacidade de produção permanecerá inalterada, ou será substituída por práticas sustentáveis.

§5. Concluindo, vamos assumir uma necessidade de produção energética de 8 Mtoe, que é equivalente a 100 TWh em termos de electricidade.

2. Produção Energética

§6. De acordo com o The Solutions Project, seria possível obter os 100 TWh de energia a partir da seguinte combinação de fontes de energia eólica, hidráulica e solar (fonte, pdf).

  • 29.1 TWh provenientes de painéis fotovoltaicos, dos quais 17 TWh em telhados (7.4 em residências, 9.6 em edifícios governamentais e comerciais) e 12.1 em centrais de energia solar,
  • 2.8 TWh provenientes de energia térmica solar,
  • 35 TWh provenientes de geradores eólicos em onshore,
  • 15 TWh provenientes de geradores eólicos no offshore,
  • 1.8 TWh de energia oceânica (ondas 1 TWh, marés 0.8 TWh),
  • 15.7 TWh provenientes de centrais hidroelétricas, e
  • 0.6 TWh de energia geotérmica.

§7. Comparemos este valores com os níveis atuais de produção de energia renovável em Portugal [IEA, p.81]. Em 2014, a produção de energia em Portugal era dominada pela energia hidráulica, eólica e pelo carvão.

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Tabela 1

§8. Trabalhamos aqui sob algumas hipóteses.

Em primeiro lugar, falamos de eletricidade e calor em conjunto, embora voltemos a separar os dois nos parágrafos seguintes.

Segundo, assumimos que poderíamos eletrificar a indústria, visto que no nosso cenário não há queima direta de combustíveis fósseis, enquanto na realidade esta constituiria um quarto do consumo de energia primária. (Ver [IEA], pp. 17-18.) Esta é uma hipótese significativa, mas a maior diferença nos cálculos seria relacionada com o funcionamento de refinarias, que não existiriam numa economia livre de combustíveis fósseis.

Terceiro, assumimos que é possível eletrificar o sector dos transportes. Isto implicaria um um outro estudo, combinando utilização em larga escala de transportes públicos e substituição de carros a gasolina por carros elétricos. O desenvolvimento deste estudo encontra-se já em curso.

§9. Olhando para a Tabela 1, chegamos às seguintes conclusões:

  • Primeiro as boas notícias: É possível deixar de usar combustíveis fósseis em Portugal.
  • Não é preciso construir barragens. Na verdade, podemos encerrar algumas das mais antigas.
  • Não são necessários novos projetos de biocombustíveis ou de transformação de resíduos.
  • Não vamos considerar energia geotérmica.
  • É preciso triplicar a produção de energia eólica onshore.
  • É preciso introduzir a energia eólica offshore e energia solar em grande escala, fontes até agora muito pouco usadas.

3. Capacidade Energética por Fonte

§10. Vamos agora examinar a Tabela 1 e calcular a capacidade de produção energética necessária para cada fonte energética. Ao contrário dos combustíveis fósseis, a produção de energia solar e eólica e variável, pelo que temos de ter especial cuidado com a diferença entre capacidade instalada e a produção real de energia. A razão entre a produção real e a capacidade chama-se “fator de capacidade“.

Para evitar confusão com as unidades, deixamos aqui a tabela de conversão:

1 TW (terawatt) = 1000 GW
1 GW (gigawatt) = 1000 MW
1 MW (megawatt) = 1000 kW
1 kW (kilowatt) = 1000 W

Se uma central de produção elétrica com capacidade de 1MW trabalhar durante uma hora com fator de capacidade 100% produzirá 1MWh (1 megawatt hora) de eletricidade.

§11. O fator de capacidade para a produção de energia fotovoltaica em telhados em Portugal e de 15% (ver por exemplo a Solar Panel Calculator da Sunmetrix). Para produzir 17 TWh de eletricidade num ano, seriam necessários 17 TWh / 8760 = 1.9 GW de capacidade, trabalhando com 100% de fator de capacidade. Ou seja 1.9 / 0.15 = 12 GW de capacidade com fator de capacidade de 15%.

Em centrais de produção de energia solar o fator de capacidade é de 17%. Para produzir 12 TWh de energia num ano com este fator de capacidade, precisaríamos de 8 GW de capacidade.

A energia térmica solar tem um fator de capacidade maior, porque se baseia no aquecimento de um líquido usando a energia do sol. Se for utilizada para aquecimento, sem ser transformada em energia elétrica, o processo é obviamente mais eficiente. Além disso, como o líquido se mantém quente por algumas horas, este processo pode ser prolongado até depois do pôr do sol. (Ver [CRS] para mais informação.) Para produzir 2.8 TWh por ano com um fator de capacidade de 30%, seria necessário cerca de 1 GW de capacidade instalada.**

§12. A capacidade de produção de energia eólica onshore em Portugal é de cerca de 4.7 GW, produzindo 12 TWh de energia por ano. [IEA, p.67] Precisamos de produzir 35 TWh, ou seja faltam 23 TWh. Precisamos então de adicionar o dobro da capacidade existente, ou seja 10 GW.***

Precisamos de produzir 15 TWh por ano de energia eólica offshore. O maior parque eólico do mundo e o Horns Rev 2 na Dinamarca e tem um factor de capacidade de 50%. Os aerogeradores no Reino Unido (onshore e offshore) têm um um fator de capacidade de 25-30%. Em Portugal, vamos assumir um fator de capacidade de 30%. Isto significa que precisamos de 5.7 GW de capacidade instalada.****

§13. Para a energia oceânica, vamos assumir uma fator de capacidade de 10%, o que significa que precisamos de 2 GW de capacidade para produzir os 1.8 TWh necessários.*****

§14. Resumindo, precisaríamos de juntar as fontes de energias renováveis existentes as seguintes capacidades:

  • 20 000 MW fotovoltaica
  • 1 000 MW solar térmica
  • 10 000 MW eólica onshore
  • 5 700 MW eólica offshore
  • 2 000 MW energia oceânica (ondas e marés)
  • nenhuma barragem nova, nenhuma central geotérmica nova.

4. Empregos em Energias Renováveis

§15. Vamos agora calcular quantos empregos são necessários para a produção, instalação, funcionamento e manutenção destas indústrias energéticas. O conceito chave e o de “fator de emprego” por fonte energia. Utilizamos valores de [ISF] para estes cálculos.

Em particular, vamos utilizar a Tabela 2, que é o “Table 1” no [ISF]. Um “ano de trabalho” e o trabalho produzido por um trabalhador por em um ano.

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Tabela 2

§16. Para a energia fotovoltaica, a produção e instalação/construção implicaria 20 000 * 18 = 360 000 anos de trabalho, ou seja 24 000 empregos por ano, durante 15 anos.

Quanto a manutenção, temos de ser um pouco mais cuidadosos. No primeiro ano do programa Empregos para o Clima, não haveria qualquer manutenção, enquanto no fim dos 15 anos haveria 20 000 MW de capacidade para manter. Em média, isto significa 10 000 MW por ano para manter ao longo dos 15 anos. Isto traduz-se em 10000 * 0.3 = 3000 empregos por ano durante 15 anos.

§17. Para a energia térmica solar, com 1000 MW de capacidade, precisamos de 1000*12.9=13000 para produzir e instalar, mais 500*0.5=250 empregos de manutenção por ano. Arredondamos o número total de empregos por ano para 1000.

§18. Para a energia eólica onshore, precisamos de 110 000 * 8.6 = 86 000 anos de trabalho para a produção e construção, ou seja cerca de 6000 empregos por ano.

Para a manutenção, é preciso recordar o período de construção. Durante os primeiros dois anos não há nada a manter. Ao fim de 15 anos temos 10 000 MW de capacidade instalados. Em média isto significa 4000 MW para manter, ou seja 800 empregos.

§19. Para a energia eólica offshore, precisamos de 5700*18.1 = 103 000 anos de trabalho para produção e construção, ou seja 7000 empregos.

Durante os primeiros quatro anos não há manutenção e depois haveria uma capacidade média de 1600 MW durante 15 anos, ou seja 1600*0.2 = 320 empregos por ano.

§20. Para a energia oceânica, precisamos de 2000 * 10 = 20 000 anos de trabalho, ou seja 1400 empregos anuais.

Como o tempo de construção e de dois anos, assumimos que a capacidade média a manter ao longo dos 15 anos é de 870 MW, o que se traduz em 870*0.32= ~300 empregos anuais.

§21. Resumindo, seriam necessários os seguintes números de empregos em energias renováveis:

  • Solar (fotovoltaica): 24 000 produção e instalação, 3 000 manutenção
  • Solar (térmica): 1 000 produção, instalação e manutenção
  • Eólica (onshore): 6 000 produção e construção, 800 funcionamento e manutenção
  • Eólica (offshore) 7000 produção e construção, 320 funcionamento e manutenção
  • Oceânica (ondas e marés) 1 400 produção e construção, 300 funcionamento e manutenção.

Isto corresponde a um total de cerca de 45000 empregos anuais em energias renováveis, para uma indústria energética livre de carvão, ao longo de 15 anos.

5. Campanha Empregos para o Clima

§22. A Campanha Empregos para o Clima defende a criação de novos empregos no sector público para liderar uma transição justa em todos os sectores da economia, garantindo emprego e formação para os trabalhadores atualmente empregados nos setores poluentes.maxresdefault

Isto significaria 45 000 empregos diretos apenas na indústria energética.

§23. Contas, artigos e relatórios não fazem a mudança. Essa são as pessoas que a fazem. Esta campanha junta organizações de justiça ambiental e organizações de trabalhadores para lutar pela justiça climática.

§24. Terá certamente de ocorrer algum tipo de transição. Por exemplo, mantendo tudo a funcionar como de momento, teremos uma transição para um planeta numa crise severa de falta de água e alimentos, falhas de infraestruturas e conflito social. Por outro lado, o “Capitalismo Verde” significa condições de trabalho precárias e condições sociais militarizadas nos chamados “países desenvolvidos” e condições sociais precárias e condições meteorológicas extremas nos chamados “países subdesenvolvidos”.

A campanha dos Empregos para o Clima propõe um caminho para uma transição justa para uma economia sustentável. Para vencer, será necessária mobilização social em larga escala e mudanças sociais radicais. Mas temos um planeta habitável a perder e uma sociedade justa a ganhar.

—–

* A associação négaWatt calcula que é possível uma suficiência energética de 15% em 15 anos em França.

** Mais precisamente, 1 GW * 8760 h * 0.30 = ~2.6 TWh. Para chegar a 2.8 TWh, precisamos de 1.06 GW.

*** Não é completamente correto assumir que as novas turbinas seriam tão produtivas como as existentes. Em geral os melhores sítios já estão a ser utilizados, pelo que as novas turbinas teriam um menor fator de capacidade. No entanto, também estamos a utilizar valores médios para energia solar e eólica offshore, que são praticamente inexistentes em Portugal e teriam assim um fator de capacidade acima da média. A nossa hipótese para simplificar a análise é que estes dois fatores se anulam um ao outro.

**** Mais precisamente, 5.7 GW * 8760 h * 0.30 = ~15 TWh . Preferimos ser mais precisos com este valor, já que a construção de turbinas offshore implica um grande número de empregos.

***** Os fatores de capacidade para ondas e marés são muito pouco estudados. Os valores no Reino Unido variam entre 4 e 10%. Esta tecnologia é recente e é razoável esperar avanços tecnológicos nos próximos 15 anos, pelo que assumimos um fator de capacidade de 10%.

 

Referências

[CRS] Stan Kaplan, Power Plants: Characteristics and Costs, Congressional Research Service, November 2008, https://fas.org/sgp/crs/misc/RL34746.pdf

[FOEI] Friends of the Earth International, Energy: Access and Sufficiency. Enough is enough: understanding ‘energy sufficiency’ as an integral part of delivering energy access, November 2016,
http://www.foei.org/wp-content/uploads/2016/11/ENERGY-SUFFICIENCY-EN-FINAL.pdf

[IEA] International Energy Agency, Energy Policies of IEA Countries: Portugal 2016 Review, 2016, https://www.iea.org/publications/freepublications/publication/Energy_Policies_of_IEA_Countries_Portugal_2016_Review.pdf

[ISF] Jay Rutovitz, Steve Harris, Calculating Global Energy Sector Jobs: 2012 Methodology, Institute for Sustainable Futures, University of Technology, Sydney, 2012. http://cfsites1.uts.edu.au/find/isf/publications/rutovitzharris2012globalenergyjobsmethycalc.pdf

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