Nota prévia: A equipa editorial do relatório da campanha Empregos Para o Clima apoia-se na melhor e mais actual ciência para produzir um plano de descarbonização com o maior grau de certeza e potencial de sucesso. A urgência em aplicar um verdadeiro plano para a neutralidade carbónica em menos de nove anos faz com que tomem particular relevância as actualizações de estimativas de emissões de diferentes gases com efeito de estufa e projecções das potenciais reduções num curto período de tempo. Neste artigo, vamos analisar o “global warming potential”, especialmente no que concerne ao metano, cujo impacto estimado tem vindo a sofrer alterações segundo o consenso científico, nomeadamente segundo o IPCC, e por isso importa ter em conta a relevância política de utilizar (ou não) os valores actuais.
Os Gases com Efeito de Estufa (GEEs) aquecem a Terra porque absorvem a energia irradiada da Terra e diminuem a velocidade a que esta energia escapa novamente para o espaço. O GEE mais conhecido é o Dióxido de Carbono (CO2) mas existem outros GEEs, e todos estes diferem na sua habilidade de absorver energia (eficiência radiativa), e na quantidade de tempo que estes gases permanecem na atmosfera.
O Global Warming Potential (GWP) foi criado para permitir comparações entre o impacto de diferentes gases no planeta. Mais concretamente, é uma medida (GWP) da quantidade de energia que as emissões de 1 kilograma de um gás vai absorver em um determinado período de tempo comparativamente às emissões de 1 kilograma do gás de referência, o dióxido de carbono. Quanto maior o GWP, mais um determinado gás aquece a Terra em comparação com o CO2 nesse período de tempo. Os GWPs fornecem uma unidade de medida comum (CO2eq), que permite aos analistas somar estimativas de emissões de diferentes gases (por exemplo, para compilar um inventário nacional de GEE) e permite comparar as oportunidades de redução de emissões entre sectores e gases.
O período de tempo geralmente usado para GWPs é de 100 anos, o que significa que para cada determinado gás são medidos os efeitos de aquecimento ao longo de um período de 100 anos após o momento de emissão. Encurtar o período de tempo para, por exemplo, um GWPs de 20 anos iria medir os efeitos do aquecimento ao longo de um período de 20 anos, atribuindo mais peso aos gases de efeito estufa de curta duração.
Na tabela abaixo é possível ver como o período de tempo utilizado muda drasticamente o impacto de certos gases, principalmente o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4).

Fonte: IPCC(1)
Na tabela também é possível constatar que, apesar de o segundo relatório de avaliação (SAR) de 1995 e o quinto relatório de avaliação (AR5) de 2013 terem períodos de tempo iguais, o impacto do metano (CH4) altera-se consideravelmente.
Isto acontece porque entre o SAR e o AR5, o valor de GWP100 para o CH4 passou de 21 CO2eq para 28 CO2eq. Apesar destas actualizações, os dados do SAR de 1995 continuam a ser amplamente usados em configurações de política, incluindo o protocolo de Kyoto, e em muitas contas de emissões nacionais e internacionais. Para já, o IPCC afirma que isto não é um problema porque estudos de modelagem mostram que as mudanças nos valores de GWP100 de SAR para AR4 têm pouco impacto na estratégia de mitigação ideal a nível global(2).
Mas, as estimativas do GWP de CH4 ainda estão a evoluir, com estudos que sugerem que este valor pode ter sido 25% maior do que as estimativas do IPCC(3). Como se isso não fosse suficiente, o CH4 também afeta a abundância de outros GEEs importantes devido ao seu importante papel na química atmosférica. Primeiro, a oxidação do CH4 leva à formação fotoquímica do gás de efeito estufa ozono (O3). Em segundo lugar, na estratosfera, a oxidação do CH4 produz vapor de água (H2O), que por sua vez contribui para o forçamento radiativo. Finalmente, após a oxidação, o átomo de carbono do CH4 acaba na forma do principal gás de efeito estufa, o dióxido de carbono (CO2). Tendo em consideração estes feedbacks, o GWP100 de CH4 sobe para 34 CO2eq.(4)
Como referido anteriormente, o período de tempo geralmente usado para GWPs é de 100 anos, mas continua a haver um grande debate sobre o período de tempo a utilizar. Alguns até argumentam que o método do GWP deve ser reformulado ou substituído inteiramente por outras maneiras de comparar o impacto de diferentes gases(5), como o Global Temperature Potential. No quadro acima podemos ver que o CH4 tem um tempo de residência atmosférica de cerca de 12 anos, enquanto o impacto do CO2 é distribuído por centenas de anos, o que significa que o impacto do CH4 é muito mais imediato. Se considerássemos um tempo de referência de 20 anos para o GWP então o impacto estimado do CH4 seria de 84-87 CO2eq.
Isto é especialmente importante em sectores com elevadas emissões de CH4. Por exemplo, os dados mais recentes da agricultura indicam que para o ano de 2018 o total de emissões de metano foi de 4.39 Mt CO2eq, o que representa 64.6% das emissões totais deste sector(6). Nesse relatório é utilizado um valor GWP100 para o CH4 de 25 CO2eq (valor de referência do AR4 de 2007). Se usássemos o valor para o GWP de 20 anos, estimado entre 84-87, isto faria com que as emissões de metano da agricultura passassem de 4.39 MT CO2eq para 15.39 Mt CO2eq, ou seja, cerca do triplo. O sector dos resíduos, que consiste principalmente em emissões de metano, iria pelo mesmo caminho.
Bastante conhecido como energia de transição, o gás fóssil, que é composto principalmente por metano, também tem beneficiado pela utilização desta métrica, em GWP, e deste período de referência de 100 anos. Isto acontece porque apesar da queima de gás fóssil para a produção de energia apenas emitir CO2, existem fugas de gás ao longo de toda a cadeia de produção e distribuição. Contabilizando as emissões de CO2 em conjunto com estas fugas, esta indústria pode emitir mais GEEs que o carvão e o petróleo. Recentemente, vários estudos e artigos indicaram que a quantidade de gás que escapa para atmosfera desta maneira está a ser gravemente subestimada(7), e isto acontece, em parte, devido à maneira como estas emissões de metano são contabilizadas e comparadas com dióxido de carbono.
Mas porque é que o período de referência é importante? A ciência diz-nos que os próximos 10 anos são os mais importantes para a transição energética. Durante esta década temos que reduzir as emissões de gases de efeito de estufa drasticamente a nível mundial, de maneira a evitar passar um “ponto de não retorno”, onde o clima já está de tal maneira destabilizado que seria muito difícil evitar uma catástrofe climática. O degelo no Ártico, a libertação de metano devido ao descongelamento do permafrost, a desflorestação na Amazónia, são alguns destes “tipping points” que de certa maneira tornam um período de referência de 100 anos irrelevante do ponto de vista de estratégia a curto prazo. Para além disso, como vimos, a métrica de GWP a 100 anos subestima o potencial de aquecimento de gases de curta duração como o metano, numa altura em que já estamos perigosamente perto de atingir este “ponto de não retorno”.
Deixemos claro que com este texto não se pretende a defesa de um único método para contabilizar ou comparar o impacto de diferentes gases de efeito de estufa. Cada uma destas métricas é útil e importante para debater uma estratégia global de combate à crise climática. O grande problema é que os pontos fracos destas métricas podem e estão a ser explorados pelos nossos decisores políticos e económicos para conceber estratégias que aparentam ser suficientes para descarbonizar a economia atempadamente, mas que na realidade ficam bastante aquém do necessário.
A campanha Empregos para o Clima baseia o seu trabalho em ciência e evidências e, portanto, o nosso relatório guiar-se-á pelo objectivo da neutralidade carbónica em 2030. Reconhecemos ainda as incertezas sobre os inventários de emissões, e a complexidade de certos sectores como os da agricultura, indústria e resíduos, onde a descarbonização completa apresenta desafios técnicos adicionais. Aceitamos esses desafios na preparação do relatório da campanha Empregos para o Clima e procuramos fazer o nosso melhor para nos mantermos em conformidade com eles.
Referências:
1 – (IPCC, AR5, pág. 124) https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2018/02/ipcc_wg3_ar5_full.pdf
2 – IPCC, AR5, pág. 47, TS.5) https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2018/02/ipcc_wg3_ar5_full.pdf
3 – https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/2017RG000559#rog20161-bib-0120
4 – https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/2017RG000559
5 – https://www.carbonbrief.org/guest-post-a-new-way-to-assess-global-warming-potential-of-short-lived-pollutants ; https://www.nature.com/articles/nclimate2998
6- https://www.apambiente.pt/_zdata/Inventario/20200318/NIR_FINAL.pdf pág. 352
7- https://science.sciencemag.org/content/361/6398/186 ;
https://theconversation.com/the-us-natural-gas-industry-is-leaking-way-more-methane-than-previously-thought-heres-why-that-matters-98918 ;
https://www.nytimes.com/interactive/2019/12/12/climate/texas-methane-super-emitters.html ;
https://www.gti.energy/wp-content/uploads/2019/02/CMR-Implications-Using-Different-GWP-Time-Horizons-White-Paper-2019.pdf ;
https://www.apambiente.pt/_zdata/Inventario/March2019/NIR_global_2019_(15_March).pdf , Tabela 5.1 pagina 372
https://ourworldindata.org/co2/country/portugal?country=~PRT
https://ourworldindata.org/grapher/methane-emissions-by-sector?time=earliest..latest&country=~PRT
https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2018/02/ipcc_wg3_ar5_full.pdf , pág. 63
https://climateanalytics.org/briefings/why-using-20-year-global-warming-potentials-gwps-for-emission-targets-is-a-very-bad-idea-for-climate-policy/
https://www.sciencedirect.com/topics/earth-and-planetary-sciences/global-warming-potential