De políticos a executivos de empresas, de comentadores dos media a ativistas ambientais, as narrativas que evocam o progresso “imparável” de uma transição global dos combustíveis fósseis para as energias renováveis têm-se tornado cada vez mais comuns.
Contudo, na realidade, as mudanças globais na produção de energia, na utilização de energia e nas emissões de gases com efeito de estufa de que precisamos urgentemente não estão a acontecer:
• Em 2019, mais de 80% da procura global de energia primária provinha de combustíveis fósseis, com emissões globais de gases com efeito de estufa a níveis recorde.
• Em 2020, a energia eólica e solar representaram apenas 10% da eletricidade global gerada.
• Apesar das histórias do seu declínio, a produção de energia a carvão continua a crescer a nível global. Em 2020, os esforços globais feitos para desativar as centrais elétricas a carvão foram mitigados apenas pelas novas centrais de carvão encomendadas na China, o que resultou num aumento generalizado da frota mundial de carvão de 12,5 GW.
Recentemente, surgiram argumentos de que a pandemia de Covid-19 e a subsequente contração da atividade económica assinalaram um ponto de viragem. De facto, a procura global de energia caiu quase 4% em 2020, enquanto que as emissões globais de CO2 relacionadas com a energia caíram 5,8% – o declínio anual mais acentuado desde a Segunda Guerra Mundial.
Apesar destas mudanças a curto prazo, a pandemia não provocou quaisquer mudanças significativas a longo prazo no setor energético ou emissões associadas:
• As emissões globais de CO2 relacionadas com a energia deverão crescer 4,8% em 2021 – o segundo maior aumento anual de que há registo.
• A procura de todos os combustíveis fósseis deverá aumentar em 2021. Está previsto um aumento de 4,6% na procura global de energia para 2021, deixando a procura 0,5% superior aos níveis de 2019.
• No final de 2020, a procura de eletricidade já tinha voltado a um nível superior ao de dezembro de 2019, com emissões globais de eletricidade superiores às de 2015.
• No final de 2020, a procura global de carvão era 3,5% mais elevada do que no mesmo período em 2019. Prevê-se um aumento de 4,5% da procura de carvão para 2021, com esta a aumentar 60% mais do que o crescimento de todas as energias renováveis em conjunto e a desfazer 80% do declínio registado em 2020.
• Prevê-se um novo aumento em 6% da procura de petróleo em 2021, o aumento mais acentuado desde 1976. Prevê-se que, até 2026, o consumo de petróleo a nível mundial atinja os 104,1 milhões de barris por dia (mb/d) – um aumento de 4,4 mb/d em relação aos níveis registados em 2019.
Como tal, uma transição energética com a profundidade e velocidade necessárias para cumprir o Acordo de Paris de 2015 não mostra sinais de se materializar. De facto, a maioria das principais economias mundiais não está no bom caminho para atingir as suas Contribuições Determinadas a Nível Nacional (NDCs) em matéria de redução de emissões.
Estes factos apontam para uma conclusão clara: o paradigma dominante e neoliberal da política climática, que emprega uma abordagem semelhante à “teoria do pau e da cenoura”, ao tentar desincentivar o uso de combustíveis fósseis através dos preços do carbono, ao mesmo tempo que promove o investimento com baixo teor de carbono através de subsídios e acordos contratuais preferenciais tem sido completamente ineficaz. Este paradigma político posiciona os governos como guardiões e fiadores da rentabilidade dos atores privados, impedindo-os assim de enfrentar diretamente os desafios sociais e ambientais. Os resultados têm sido desastrosos:
• 15 anos após o estabelecimento do Sistema de Comércio de Emissões da União Europeia (EU-ETS), a grande maioria das emissões globais (84%) continua a não ter qualquer preço, e a parte das emissões com um preço suficientemente elevado para ser potencialmente eficaz permanece muito abaixo de 1%. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que o preço médio global do carbono é apenas um vigésimo do preço mínimo absoluto considerado necessário.
• Embora as energias renováveis tenham aumentado a sua quota global de utilização de energia, este crescimento tem sido ultrapassado pelo aumento da procura de eletricidade. O sistema elétrico global tem vindo a expandir-se a uma taxa anual de quase 300 GW nos últimos anos, mas a capacidade renovável cresceu apenas 198 GW em 2020, e a taxa de aumento anual tem sido lenta durante a última década: uma média de apenas 11 GW por ano. Pior ainda, a taxa de crescimento para a utilização de energias renováveis diminuiu quase para metade nos últimos cinco anos.
Hoje em dia, o crescimento das energias renováveis está a ser impedido por uma crise de investimento, e os níveis de investimento terão de aumentar drasticamente a fim de atingir os objetivos climáticos:
• A China, responsável por 40% do investimento em energias renováveis em 2017, reduziu este seu investimento em 38% em 2018, tendo os investimentos caído mais 8% em 2020 para o seu valor mais baixo desde 2013.
• O investimento em novas capacidades de produção de energia renovável (principalmente eólica e solar) precisa de totalizar 22,5 mil biliões de dólares até 2050. Isto equivale a cerca de 662 mil milhões de dólares por ano, todos os anos – aproximadamente o dobro dos níveis de investimento registados nos últimos anos, que, em média, se situaram em cerca de 300 mil milhões de dólares.
Além disso, a política atual não tem adequadamente em conta o impacto de “energia renovável variável” (VRE):
• Existe o risco de os serviços públicos de energia serem cada vez mais incapazes de continuar a operar as centrais de combustíveis fósseis de “carga de base”, nas quais ainda está dependente grande parte do mundo. Como tal, os governos estão atualmente a intervir para subsidiar a indústria dos combustíveis fósseis, à custa do contribuinte ou do consumidor.
• As tecnologias necessárias para integrar as energias renováveis nas redes elétricas estão elas próprias a enfrentar obstáculos significativos. Por exemplo, de acordo com a AIE, menos de 2% do potencial global de flexibilidade do lado da procura é atualmente realizado.
Em suma, a atual política é incapaz de realizar a transição energética urgentemente necessária. Depende de “mecanismos de mercado” falhados (“teoria do pau e da cenoura”); sofre de um investimento maciço, défice, e não conseguiu lidar com os desafios técnicos colocados pelas energias renováveis variáveis.
Precisamos de um paradigma alternativo. Como vimos com a pandemia, enfrentar problemas globais complexos em prazos curtos exige planeamento e coordenação governamentais. Um relatório conjunto TUED-PSI-FNME-CGT sobre Futuros da Energia Pública a ser divulgado na COP26 estabelecerá uma agenda para a propriedade e gestão pública democraticamente controlada do setor energético. Uma abordagem verdadeiramente pública da transição energética é necessária para limitar as alterações climáticas e evitar os piores impactos climáticos.
Lê o relatório completo editado por Trade Unions for Energy Democracy e Transnational Institute, aqui.