Não existe atualmente nenhum plano de transição energética atual consistente com a ciência climática. Existem planos da União Europeia, do governo português e, como é óbvio, planos do capitalismo fóssil, mas nenhum desses planos cuida realmente dos trabalhadores ou garante um futuro abaixo dos 1.5ºC. Precisamos de uma transição justa baseada nas necessidades das pessoas e do planeta e sabemos que é necessário construir esse plano antes que todos os outros nos coloquem numa trajetória sem retorno.
Sines é um concelho muito importante para os planos da transição energética em Portugal. Isto pode-se observar na alocação de fundos do Fundo Europeu de Transição Justa, que coloca as zonas do Centro e do Alentejo, e especificamente Abrantes e Sines, como zonas de intervenção. Está prevista uma alocação de até 74M de euros para o Alentejo Litoral (Alcácer do sal, Grândola, Odemira, Santiago do Cacém e Sines) deste fundo para tentar remediar o desastroso fecho da central a carvão que existia na região.
Sines também é uma localidade importante para o movimento pela justiça climática portuguesa, como se pode ver com a ação Vamos Juntas, uma ação que reivindicava uma transição justa para os trabalhadores da refinaria da Galp, assim como com o acampamento 1.5º, que pretende evidenciar o sudoeste alentejano como um dos expoentes máximos do capitalismo fóssil em Portugal. Para compreendermos melhor a importância de Sines para o movimento pela justiça climática portuguesa e termos uma ideia de como ele deve ser usado como trampolim de lançamento de campanhas de transição justa e de empregos pelo clima vamos fazer um caminho pelas diferentes facetas do concelho de Sines.
Este artigo pretende evidenciar a importância do concelho de Sines e faz parte dum Estudo de Caso sobre Transição Justa em Sines que vai abordar outros temas e infraestruturas (existentes e planeadas) em artigos separados.
Sines como Sines
Sines é um concelho no Alentejo Litoral onde habitam 14.200 pessoas. Destas 2002 pessoas têm menos de 15 anos (14.1%) e 3195 tem mais de 65 anos (22.5%), estando esta percentagem perto da média portuguesa (22,1%) e mais baixa que a média do Alentejo (25%).
A maior parte da sua população trabalhadora é empregada no sector terciário (65%), depois no sector secundário (31%) e por fim no sector primário (4%)1. A importância do sector terciário para a população de Sines é semelhante aos números nacionais, sendo de sublinhar que o sector primário emprega mais de 20% dos trabalhadores do Alentejo Litoral, contrastando Sines com os seus concelhos vizinhos.
Quanto ao nível de qualificação dos trabalhadores, 40,7% são profissionais qualificados, 11,8% são profissionais semiqualificados, englobando 55,5% dos trabalhadores; 11,5% são profissionais altamente qualificados; 8,1% são encarregados, contramestres, mestres e chefes de equipa; 8% são quadros superiores e 5,8% são quadros médios. Estes números realçam que Sines possui uma força de trabalho bastante qualificada, excedendo a média regional.1
A taxa de desemprego na região aumentou em 2020, depois do encerramento da central, para 9.2%, contabilizando 812 pessoas inscritas no centro de desemprego, quando em 2019 apenas 534 se encontravam nesta situação. Esse aumento de cerca de 3 pontos percentuais na taxa de desemprego não se deve apenas ao encerramento da central, que tinha cerca de 330 trabalhadores regulares, mas também à crise económica sentida devido ao COVID-19.
Sines como centro económico do Alentejo litoral
Sines é um dos centros económicos do Alentejo, e é vital para a economia do Alentejo Litoral. Sines é 15% da população desta região, mas é cerca de 50% do volume de negócios de empresas, 50% do valor acrescentado bruto e 77% do volume de negócios de estabelecimentos. Em 2018, 66% das grandes empresas da região do Alentejo Litoral eram em Sines.1
Para além disso é também responsável por 78% das exportações e de 90% das importações, sendo a principal razão que esta região do país tem uma balança comercial positiva.1
Sines gera 75% do valor acrescentado bruto das indústrias transformadoras, que empregam 2000 pessoas, 94% das indústrias de transportes, que empregam 1000 pessoas, e 66% das atividades administrativas, que empregam 1600 pessoas. No então é apenas 2.4% das atividades agrícolas, sendo esta atividade realizada principalmente nos concelhos circundantes.1
Como centro económico do Alentejo Litoral, Sines é também um centro de emissões de gases de efeito de estufa sendo responsável por 94% das emissões totais desta região.
Sines como centro do capitalismo fóssil em Portugal
Sines é também o concelho mais poluente de Portugal, sendo responsável por 9% das emissões totais, cerca de 3.8 Mton Co2 eq. No entanto Sines contém apenas 0.13% da população portuguesa. Como se explica este nível de emissões numa cidade tão pequena?
Até ao seu fecho no início de 2021 a central termoelétrica de Sines era uma das infraestruturas mais poluentes de Portugal. Em 2017 foi responsável por 13% das emissões (8.3 Mton CO2), gerando cerca de 9.8% da energia primária portuguesa. Em 2019, com o seu fecho já no horizonte foi apenas responsável por 8% das emissões, gerando 4.5% da energia primária portuguesa. Essa central, aquando do seu encerramento, empregava cerca de 320 trabalhadores, que foram avisados através da comunicação social que a central ia ser encerrada, não havendo nenhum plano real que garantisse os seus postos de trabalhos ou salários. Desses trabalhadores cerca de 200 foram para o centro de desemprego1.
No concelho de Sines existe também um porto de mercadorias e um terminal que recebe gás natural liquefeito (GNL). As emissões associadas ao porto são pequenas, porque não entram nas contas as emissões relacionadas com a navegação internacional. Este porto emprega pelo menos 100 pessoas diretamente e mais de 750 através de empresas prestadoras de serviços. É nele que chegam e partem cerca de 50% das mercadorias que passam por Portugal. É o 8º maior porto da península ibérica e existem planos para a sua expansão. Para além de tudo isto o seu terminal de gás natural liquefeito recebe 5.5 bilhões de metros cúbicos de gás por ano, equivalente a 90% do gás que chega a Portugal. À queima desse gás estão associadas 10 Mton de emissões de CO2, cerca de 25% das emissões associadas à produção de energia. A importação de gás fóssil aumenta todos os anos num caminho completamente oposto do que seria uma transição energética em Portugal.
Sines tem também refinarias de combustíveis e petroquímicas, como as da Repsol e da Petrogal. Estas indústrias são agora responsáveis por 70% das emissões do concelho, sendo a refinaria da Petrogal a infraestrutura mais poluente em Portugal. Não existe atualmente nenhum plano para uma transição dos trabalhadores desta refinaria, nem um plano que reduza a dependência da economia portuguesa nessa infraestrutura.
A falta de um plano é um tema recorrente no concelho de Sines. Isso significa que os trabalhadores de Sines estão à mercê das suas empresas e do “mercado” para decidir quando a transição acontece. Qualquer transição que aconteça nestes termos acaba com o fecho das centrais de Sines e Pego ou a refinaria de Matosinhos, ou seja com a libertação de trabalhadores qualificados para o mercado de trabalho sem qualquer aproveitamento dos seus conhecimentos específicos ou reconversão dos seus postos de trabalho em indústrias necessárias para a transição energética.
Por uma transição energética que coloque os trabalhadores de Sines no centro da questão
O Fundo Europeu de Transição Justa exclui o pagamento direto de salários aos trabalhadores despedidos, levando a uma ginástica contabilística do nosso governo de que só conhecemos os verdadeiros detalhes quando tornarem públicos os seus planos regionais para o fundo.
Como vimos com o fecho de Sines e de Matosinhos, os planos de privados movem-se muito mais rápido que os do governo e deixam os trabalhadores completamente desamparados, sem nenhuma oportunidade de reivindicação. Aliás esta é a estratégia ideal para as empresas, que ficam com o mérito de fazerem uma “transição verde” mais rápido que os planos na mesa ao mesmo tempo que destroem qualquer oportunidade de luta organizada pela parte dos seus trabalhadores.
Sines, e todo o Alentejo Litoral, é agora terreno de caça para a “verdificação industrial” que parte por algumas das empresas responsáveis pela situação atual do concelho e é preciso ter em atenção as falsas soluções que são apresentadas, sempre sem uma verdadeira integração dos trabalhadores ou mantidas nas mãos de privados. Estas incluem, mas não são limitadas, às grandes centrais de solar, a refinaria de lítio ou a produção de hidrogénio sem nenhum planeamento nacional ou controle público.
É por isso que é necessário um plano que organize os trabalhadores antes do fecho dos seus postos de trabalho. Um plano total de transição justa para o concelho de Sines que seja interligado com o plano já apresentado pela campanha para uma transição energética a nível nacional.
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1 Como fonte para estes dados usamos o estudo realizado pelo ISCTE e encomendado pelo IEFP sobre a “requalificação e identificação de oportunidade de empregos dos trabalhadores afetados pelo fim da produção de eletricidade a partir de carvão nas centrais do Pego e de Sines” com titulo “Estudo de requalificação e identificação de oportunidade de emprego dos trabalhadores afetados pelo fim da produção de eletricidade a partir de carvão nas centrais do pego e de sines”
Equipa: Luís Capucha (Coordenador), Alexandre Calado, Gonçalo Marçal, Teresa Evaristo,
Setembro de 2021,
196 páginas