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Um sector de transportes em Portugal com zero emissões – Sinan Eden

§0. Pontos de partida:

O sector dos transportes é responsável por 25,6% das emissões anuais de gases com efeito de estufa em Portugal.

Existem cinco milhões de carros no país. Um novo carro eléctrico custa entre 30 e 70 mil euros. Substituir todos os carros existentes por carros eléctricos custaria 150 mil milhões de euros. Isto faz 70% da economia portuguesa.1 (Depois, existem dezenas de milhares de camiões, para os quais não existem alternativas eléctricas.) Não há uma estratégia realista de descarbonização que não aponte para fazer as coisas de uma forma diferente.2

Em vez de nos preocuparmos com o bem-estar dos carros e da indústria automóvel, as pessoas e o clima estarão no centro deste trabalho, em que vamos dar estimativas provisórias para a descarbonização do sector dos transportes até 2030.3

Ao longo do texto, descarbonização vai significar realmente eliminar emissões de carbono, e não algum esquema de “zero emissões líquidas” ou “neutro em carbono” baseado em projectos de compensação de carbono. Existem sectores onde atingir emissões zero será extremamente difícil (como a agricultura ou os resíduos) e para esses sectores um certo aumento dos sumidouros de carbono via florestação pode ser considerado como parte da solução. Para o sector dos transportes, começamos com o conhecimento administrativo, com tecnologias comercialmente viáveis e com um forte apoio público à descarbonização. Por isso, vamos apontar para emissões zero em termos absolutos.

Vamos optar por tecnologias existentes e testadas, em vez de novas tecnologias. Investigação e desenvolvimento são essenciais para uma transição justa e rápida. Contudo, todas as inovações vêm com um conjunto de desvantagens sociais e tecnológicas próprias, que ganham visibilidade só depois da implementação. Por isso, vamos referir-nos às novas tecnologias só no caso da inexistência das alternativas viáveis.

§1. Emissões do sector dos transportes:

O sector dos transportes é responsável por mais de um quarto das emissões de gases com efeito de estufa, e virtualmente todas as emissões de gases com efeito de estufa dos transportes são de dióxido de carbono. Então, apesar de estarmos a usar equivalentes de dióxido de carbono (CO2eq) como unidade das emissões quando compararmos com outros sectores, este detalhe técnico será menos presente no sector dos transportes.

As emissões dos transportes por sub-sector, de acordo com o National Inventory Report 2020, são como na tabela abaixo. As emissões anunciadas dos transportes para o ano de 2018 são 17,2 Mt CO2eq, que fazem 25,6% do total de 67,4 Mt CO2eq.

 

Mt CO2eq

Aviação Doméstica

0,5

Aviação Internacional

4,2

Rodovia

16,4

Ferrovia

~ 0

Navegação Aquática Doméstica

0,3

Navegação Aquática Internacional

2,7

Total Nacional

17,2

Total Geral

24,1

As directrizes da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (The United Nations Framework Convention on Climate Change – UNFCCC) excluem aviação e navegação internacionais nos totais nacionais. Uma razão para isso é que não existem procedimentos internacionalmente acordados para distribuir as emissões entre os países. A segunda razão (que também explica a primeira) é o lobbying por parte da indústria de aviação civil, que conseguiu retirar-se dos orçamentos de carbono e dos objectivos climáticos internacionais. Contudo, os países continuam a documentar as emissões relacionadas. Para cada viagem internacional, metade das emissões é registada nas emissões do país de origem e a outra metade no país de destino. Se incluíssemos aviação internacional e navegação aquática internacional, as emissões totais dos transportes seriam 24,1 Mt CO2eq, as emissões totais gerais aumentariam para 74,2 Mt CO2eq, e portanto os transportes constituiriam 32,5% das emissões totais.

Nós vamos abordar todos os 24,1 Mt CO2eq, ao mesmo tempo reconhecendo que políticas climáticas a nível nacional ou até a nível europeu não são tão eficazes em cortar as emissões da aviação internacional e navegação internacional como acordos globais seriam.

§2. A abordagem: A esmagadora maioria das emissões dos transportes vêm da rodovia (principalmente carros e camiões). Tentar descarbonizá-la por electrificação em massa não chega perto de cumprir as metas de corte das emissões e significa transferir as emissões para as indústrias energéticas: as emissões de um carro eléctrico são semelhantes às do carro a diesel em muitos países por causa do mix energético (ver imagem abaixo), e mesmo quando o sector energético é baseado em fontes de energia com baixo nível de carbono, a electrificação aumenta a procura dessa energia. Além disso, o sector público tem actualmente muito menos controlo sobre produção energética do que sobre o sector dos transportes, devido às políticas neoliberais da União Europeia nas últimas décadas.

Por estas razões, procuraremos abordar o desafio de descarbonização maioritariamente dentro do sector. Vamos cortar na procura de energia pela utilização em grande escala de transportes públicos e colectivos, substituindo a maior parte da mobilidade rodoviária por ferroviária, e electrificar só a restante procura de energia do sector.

§3. Transformar procura alienada de energia em empregos:4 Você acorda de manhã bem cedo, toma um pequeno-almoço rápido, sai de casa, entra no seu carro, conduz no trânsito de hora de ponta durante meia hora (talvez uma hora?), trabalha, depois viaja de volta mais uma meia hora (talvez uma hora?). Gasta assim uma a duas horas a conduzir todos os dias. Se você é uma pessoa que funciona bem de manhã, então perde a sua valiosa energia matinal para o stress de conduzir, e depois fica chateada no trânsito à tarde quando já nem está de bom humor. Se é uma pessoa que funciona melhor de noite, então chateia as outras com a sua condução distraída de manhã e depois desperdiça o seu potencial à tarde a conduzir a uma velocidade de 20 a 30 km/h (a não ser que haja um acidente, o que reduz ainda mais a sua velocidade média). Aproximadamente 30% das viagens de carro em Lisboa e no Porto são de e para o local de trabalho. Se, em vez disso, tivéssemos uma linha de metro, eléctrico ou autocarro eléctrico, transformávamos esse trabalho de conduzir em emprego de um condutor. Nós podíamos estar a ler um livro, a ouvir um podcast, a falar com amigos, ou simplesmente a arrumar a nossa cabeça para o dia de trabalho, enquanto o condutor recebia um salário e contribuições de reforma para o trabalho exaustivo que nós estávamos a fazer de graça. De facto, via transportes públicos alargados, podemos reduzir o trânsito drasticamente para que toda a gente (e especialmente as pessoas em emergência, como nas ambulâncias) chegue ao seu destino mais rápido. Isto só é possível se houver uma rede integrada e extensiva de transportes públicos com opções limpas, sem tarifas ou virtualmente sem tarifas.

Outras 20% das viagens de carro em Lisboa e no Porto são para ir às compras. Como descobrimos durante a pandemia da COVID-19, a maioria dessas compras pode acontecer online ou localmente, e ambas estas opções transformam a nossa procura alienada de energia em empregos para as pessoas.

§4. Ferrovia: O primeiro passo estrutural na descarbonização do sector dos transportes é construir um esqueleto de uma rede ferroviária extensiva e electrificada.

§4.1. Os objectivos desta rede são

  • substituir todo o transporte de longo curso de passageiros dentro do país e progressivamente na Península Ibérica, reduzindo assim o transporte rodoviário e a aviação civil, e

  • substituir todo o transporte de longo curso de mercadorias, deixando só o primeiro e o último quilómetro para camiões relativamente pequenos (e portanto, electrificáveis).

§4.2. Mais concretamente, precisaríamos de

  • electrificar e modernizar toda as linhas existentes,

  • construir linhas de alta velocidade nos eixos Norte-Sul (Valença a Faro) e Oeste-Leste (Lisboa a Madrid),

  • reactivar e electrificar as linhas abandonadas e construir novas (ver abaixo o mapa da ferrovia existente no ano de 1985, e a comparação das linhas de passageiros existentes entre 1974 e 2015 – apesar de que a maioria destas linhas teriam de ser reconstruidas hoje porque foram completamente desmanteladas),5

  • reorganizar os portos e as zonas industriais para permitir hubs logísticos de comboio,

  • construir novas estações de comboio, e

  • produzir ou adquirir locomotivas e vagões (para passageiros e para mercadorias) e construir caminho de ferro.

§4.3. Empregos da ferrovia: Nos anos 70, havia 25 mil trabalhadores na ferrovia portuguesa. Este número desceu para 20 mil nos anos 80, quando a liberalização da economia portuguesa resultou num desinvestimento na ferrovia a favor da rodovia. Neste momento, existem 6 mil trabalhadores no sector.6 Por isso, precisaríamos de triplicar ou quadruplicar este número, acrescentando aproximadamente 15 mil trabalhadores.

Depois há a construção de ferrovia. Como um ponto de referência, em 2020, a California High-Speed Rail Authority empregou mais de 4 mil trabalhadores na construção de 200 km ferrovia de alta velocidade, para ser finalizada em 2025. Por outras palavras, 4 mil pessoas vão trabalhar durante 5 anos para construir 200 km de linha férrea de alta velocidade.7 Isto dá um coeficiente de 4000*5/200 = 100 empregos-ano por km, para construção.

Em Portugal, vamos precisar de entre 2 mil e 3 mil quilómetros de nova ferrovia. Isto significa que precisamos de 200 a 300 mil empregos-ano. Tendo em conta que precisamos de produzir tudo isto em 10 anos, precisaríamos então de empregar 20 a 30 mil trabalhadores na construção de ferrovia.

§4.4. Algumas palavras de caução em relação a estas estimativas:

  • Podemos seguramente assumir que modernização, automação e tecnologias digitais têm reduzido os empregos necessários para a manutenção de uma linha existente.8

  • Só mil quilómetros de ferrovia em Portugal seriam para comboios de alta velocidade. Além disso muitas das linhas ou pelo menos as vias para pôr as linhas já existem.

  • Todos estes são empregos directos. Não estamos a considerar empregos indirectos ou induzidos, criados por causa do investimento ou da infraestructura.

  • Este processo implicaria ainda uma transição na indústria pesada. Nomeadamente, uma forte indústria metalúrgica seria necessária para a manufactura dos caminhos de ferro. Este setor terá de ser descarbonizado via electrificação e outras inovações tecnológicas, mas em qualquer caso não contabilizamos empregos na indústria neste artigo.9

  • Por último, transferir todo o transporte das mercadorias para a ferrovia tem uma consequência directa no emprego para camionistas. Elaboramos esse ponto no próximo parágrafo.

§5. Camiões: O investimento nas auto-estradas e estradas nacionais, no âmbito da privatização do sector dos transportes nas últimas décadas, criou um sector de transporte de mercadorias atomizado e baseado na precariedade. Actualmente, existem aproximadamente 50 mil camionistas em Portugal. Só uma minoria deles podiam ser empregados como condutores de comboios (simplesmente porque muito menos trabalhadores são necessários para transportar a mesma quantidade de mercadorias). Uma mistura de medidas será necessária para estabelecer uma transição justa para os camionistas.

Antes de começarmos com uma lista de medidas de transição justa, gostaríamos de lembrar que a Tesla acredita em camiões eléctricos e já produziu protótipos. Estes não são generalizados ou comercialmente viáveis no momento, e isto seria razão suficiente para ignorá-los nos nossos cálculos agora. Porém, existe um outro factor: a Tesla aponta para camiões auto-dirigidos, por isso a perda de emprego continuaria a existir mesmo se existissem camiões eléctricos. Por outro lado, existem projectos de investigação e desenvolvimento em tecnologias de hidrogénio para transporte rodoviário pesado, que também estão nas fases iniciais.

§5.1. Antes de mais, as entregas do “primeiro quilómetro” e do “último quilómetro”, entre o terminal ferroviário e o destino (seja uma fábrica seja um hipermercado), serão feitas por rodovia. Estas implicam camionetas mais pequenas, para as quais existem opções eléctricas comercialmente viáveis. Isto cobre a maioria dos empregos de substituição de que precisávamos.

§5.2. Em segundo lugar, devemos transformar algum transporte de passageiros em transporte de mercadorias. Como explicámos no §3, um quinto das viagens de carro nas cidades grandes são por causa das compras. Esta percentagem é provavelmente muito mais alta nas cidades mais pequenas, onde muitos dos produtos básicos são concentrados em hipermercados longe das áreas residenciais. Estas lojas, particularmente quando vendem produtos alimentares, são enormes edifícios-frigoríficos. Em vez de refrigeração de um armazém, os hipermercados actualmente refrigeram o edifício inteiro, com os trabalhadores e os clientes dentro dele. Isto pode ser evitado por compras online e entregas domiciliárias. Esta opção é ainda mais viável para produtos não-alimentares como mobília, electrodomésticos, produtos têxteis e materiais de escritório.

Hoje em dia, este trabalho é feito pelos consumidores a custo de combustível, pagamento e stress de estacionamento, tempo gasto na viagem, e stress no trânsito. E nós chamamos a isto “transporte de passageiros.” Reconhecendo a necessidade do comércio local (de distância percorrível a pé) para frutas, vegetais, pão, etc., podemos guiar a maioria dos supermercados, hipermercados e centros comerciais longe de cidade para entregas online. Então este “transporte de passageiros” passaria a chamar-se “empregos de entregas”, e alguém receberia um salário por isso.

§5.3. Por último, o transporte de passageiros por ferrovia precisará ainda de ser complementado por autocarros eléctricos para o primeiro e o último quilómetro de cada viagem. Isto seria uma terceira opção de garantia de emprego para camionistas, e será o tópico do próximo parágrafo.

§6. Autocarros públicos: Uma rede ferroviária nacional vai precisar de ser complementada por uma empresa pública complexa que combina autocarros eléctricos, mobilidade partilhada e meios mais leves de transporte.10 Actualmente, em áreas rurais, os carros não só são uma necessidade mas são também uma obrigação para todos os tipos de viagens. Enquanto as entregas domiciliárias reduzem essa necessidade de transporte de passageiros, empresas públicas de pequenos autocarros e opções públicas de mobilidade partilhada podem reduzir ainda a necessidade de carros individuais para estradas menos usadas.

No momento, quase todas as linhas de autocarros intercidades são privatizadas. Uma consequência social disto é que as ligações não-lucrativas são abandonadas, criando um incentivo para o uso de carros.11 Uma consequência técnica é que não existem dados fidedignos sobre empregos, passageiros-quilómetro anuais, e emissões por pares de origem e destino. Ainda mais, muitas destas linhas de autocarros devem ser organizadas e geridas a nível inter-municipal em vez de nacional, para que haja uma melhor correspondência entre as necessidades e a oferta, ao mesmo tempo criando uma cultura de responsabilização para a administração das empresas.

Concluindo, apesar de estimarmos dezenas de milhares de empregos em autocarros eléctricos, preferimos considerá-los como empregos de substituição para camionistas e portanto não os somamos às nossas contas de criação de empregos líquidos.

§7. Mobilidade urbana: O modelo de mobilidade para as cidades deve ser uma adaptação do modelo nacional, com o seu corpo principal feito de ferrovia ligeira, rodeado por transporte rodoviário público, colectivo e eléctrico. Uma rede extensiva, inter-municipal e integrada de metro e eléctricos é o nosso ponto de partida, para qual deve-se acrescentar autocarros eléctricos e opções públicas de mobilidade partilhada, complementadas ainda por opções mais leves como bicicletas e viagens a pé.

Como a imagem geral é semelhante à estrutura nacional, vamos enfatizar as diferenças em vez das similaridades.

§7.1. Metro e eléctricos: O primeiro passo é a expansão das redes de metro e comboios suburbanos, complementados por eléctricos.12

Os empregos associados à construção das linhas de metro são muito variáveis porque os projectos alteram-se por diferenças geográficas, geológicas, históricas, sociais, políticas, ambientais e financeiras.

Está previsto que o East Side Access do metro da Cidade de Nova Iorque – com um comprimento de 3 quilómetros, passando por baixo de água e em zonas muito populadas – seja finalizado em 15 anos, empregando até 900 trabalhadores. Isto dá um valor gigantesco de 4500 empregos-ano por km. Contudo, este projecto foi altamente controverso por causa dos atrasos e outros escândalos de corrupção: alguns especialistas sugerem que para a construção de um projecto semelhante em outros sítios seria necessário um quarto dos trabalhadores, e as autoridades identificaram que os atrasos duplicaram o tempo esperado de construção.

Para comparar, o Metro do Dubai, com 75 km e 47 estações, foi construido em 8 anos e empregou 30 mil trabalhadores. Isto então dá-nos 3200 empregos-ano por km. Este projecto começou do zero, estabelecendo tudo, das questões administrativas até às financeiras, através de procedimentos acelerados pelo governo dos Emirados, e é um exemplo mundial de construção rápida com uma mobilização financeira extraordinária.

Um projecto regular de construção com uma empresa bem-estabelecida para estender linhas existentes deve implicar menos trabalho. Para além disso, linhas de eléctrico precisam de menos tempo de construção. Por estas razões, nós devemos considerar muito menos empregos-ano.

Actualmente, as linhas de metro têm um comprimento de 123 km (44,5 km em Lisboa, 66,7 km no Porto, 11,8 km no Sul do Tejo),13 ao qual devemos acrescentar mais 31 km de linhas de eléctrico em Lisboa, operadas pela Carris, e outros 8,9 km no Porto, operados por STCP. Embora tenha havido algumas propostas para acrescentar até 28 km à rede do Metro de Lisboa, existem ainda outros projectos de ferrovia ligeira de superfície que ligariam vários conselhos, como o projecto de Oeiras – Lisboa – Loures, composto por 24,4 km. Reconhecemos ainda a necessidade de ferrovia ligeira nas cidades de tamanho médio.

Para construir 100 km de nova linha ferroviária ligeira, precisaríamos de 15 a 20 mil trabalhadores ao longo de 10 anos.

Isto duplicaria a rede. Duplicar os trabalhadores acrescentaria mais 2 mil trabalhadores como condutores, mecânicos, técnicos e para outras funções.

Nada acima resolve os problemas de qualidade e frequência no metro, que por sua vez reduzem a sua fiabilidade. É-nos claro que mais empregos seriam necessários para criar um serviço de preferência.

§7.2. Autocarros eléctricos: Autocarros são convenientes para curtas distâncias que implicam paragens mais frequentes.

Um aumento significativo no serviço dos autocarros é uma necessidade absoluta. Mas existem duas questões que precisamos de abordar antes disso.

Em primeiro lugar, as parcerias público-privadas assombram o sector. O seu primeiro e mais imediato impacto é a transferência de fundos públicos para as empresas privadas. Para além disso, as empresas privadas condicionam a sua oferta pela rentabilidade em vez das necessidades reais, e os serviços desaparecem quando precisamos mais deles. Para além disto, entregar as linhas às empresas privadas reduz as possibilidades de uma rede integrada, porque causa competição e problemas de propriedade dos dados.

A segunda questão é que a força de trabalho existente não é suficiente para manter as linhas de autocarro existentes. Em Lisboa, a Carris tem 2300 trabalhadores, mas teve 2800 antes das políticas de austeridade. No Porto, a STCP tem 1300 trabalhadores, mas os sindicatos insistem que mais 150 são necessários. Se queremos autocarros como uma opção verdadeira para mobilidade urbana, devemos primeiro garantir a qualidade do serviço para as linhas existentes.

Para todas as linhas de autocarro em todas as cidades, estimamos 10 mil novos empregos directos nos autocarros eléctricos para transporte público urbano.

Finalmente, precisaríamos de electrificar toda a frota de autocarros, que são milhares de autocarros. Mas estes são empregos na indústria automóvel e não nos transportes. Portanto, excluilos-emos das nossas contas. Vamos ainda abordá-los no §8 quando falamos sobre carros eléctricos.

§7.3. Mobilidade partilhada: Em muitos casos, um autocarro não é adequado para complementar o primeiro ou último quilómetros da mobilidade urbana. Isto porque a necessidade real não justifica um autocarro alocado para essa linha. Nestes casos, sistemas de mobilidade partilhada podem ser uma alternativa.

Insistimos em usar o termo “mobilidade partilhada” (“shared mobility”, ou “ride-sharing”, ou “trip-sharing”, em inglês), que se refere a viagens verdadeiramente partilhadas entre indivíduos diferentes que pagam separadamente. Em contraste, o termo ride-hailing” refere-se a qualquer sistema baseado nas aplicações de telemóvel para assegurar uma viagem de táxi ou outro serviço “on-demand” por uma empresa de Transporte Individual e Remunerado de Passageiros em Veículos Descaracterizados a partir de Plataforma Eletrónica (TVDE). Estas viagens podem ou não ser partilhadas. Os serviços de ride-hailing não são mobilidade partilhada a não ser que ofereçam exclusivamente viagens partilhadas (como um sistema de autocarros de micro trânsito).14

Os sistemas de ride-hailing monopolizaram as viagens de curta distância e nas alturas em que a procura para transportes é baixa. Estes sistemas dominaram também a força de trabalho, com condições extremamente precárias.15

Estas plataformas baseadas nas aplicações de telemóveis trouxeram duas peças-chave para criar um sistema público complementar de mobilidade partilhada nas cidades. A primeira são os meta-dados sobre as necessidades. Apesar dos serviços “ondemand” distorcerem as necessidades reais até um certo ponto, a informação sobre o número de viagens entre dois pontos a cada hora de cada dia dia é essencial para estabelecer opções eficientes de mobilidade partilhada. A segunda peça é o algoritmo da própria aplicação, no qual não só a autoridade dos transportes mas também os usuários podem introduzir constrangimentos e necessidades. Claramente, os algoritmos das apps actuais são desenhados para fins lucrativos e portanto devem ser reescritos para garantir anonimato dos usuários e criar responsabilidade via programação de código aberto.

Ambas estas peças são de propriedade privada, no momento. A propriedade pública desta informação pode abrir as portas para um sistema de mobilidade verdadeiramente integrado, transformando os sistemas de ride-sharing em sistemas de mobilidade partilhada que complementam os comboios e os autocarros, produzem empregos dignos e locais, e reduzem a procura alienada de energia nos transportes.

§7.4. Bicicletas e andar: Por último, reduzir a necessidade da propriedade de um carro e do uso do carro, acompanhado por planeamento urbano, pode aumentar as possibilidades para os modos de transportes de zero energia.16 Isto é possível quando as cidades são desenhadas não para os carros mas para as pessoas, que por sua vez é possível quando os carros não são uma necessidade essencial para a mobilidade. Isto pode ser feito com empregos no planeamento urbano – que não pertence ao sector dos transportes – e sob a alçada de governos municipais, o que vai para além do âmbito deste trabalho. Vamos, portanto, excluir estes números de empregos das nossas contas.

§8. E os carros? Até certo ponto, os carros podem continuar a ser necessários. Contudo, temos de diminuir drasticamente a necessidade dos carros,17 e todos os carros que restam devem ser eléctricos.18

O processo descrito acima terá dois impactos nos empregos.

§8.1. Provisão de electricidade: Num sector descarbonizado de transportes, os postos de gasolina seriam substituídos por postos de carregamento eléctrico. Nas cidades, isto é uma enorme oportunidade para transformar empregos no sector privado em empregos municipais dignos e seguros, porque os postos de carregamento estarão ligados aos terminais de autocarros e aos parques de estacionamento. Ainda mais, este processo permite descentralizar a produção eléctrica: em vez de trazer petróleo importado e refinado para as cidades, a electricidade pode ser produzida no local. Todos estes são empregos indirectos, e por isso não serão incluídos nas nossas contas. Contudo, queremos sublinhar que os trabalhadores dos postos de gasolina devem ter prioridade no recrutamento para os postos de carregamento.

§8.2. Fabrico dos automóveis: Existem 5,5 milhões de carros em Portugal, dos quais 460 mil têm menos de 2 anos, 690 mil têm entre 2 e 4 anos, 930 têm entre 4 e 10 anos, e 3,4 milhões são mais velhos. Isto faz 200 a 300 mil novos carros comprados por ano. Como já mencionámos no parágrafo §0, tentar substituir todos estes seria desastroso em termos sociais, económicos e ambientais.

A indústria automóvel emprega entre 50 mil e 80 mil pessoas. A maior parte destes trabalhadores ficarão nos seus postos de trabalho, produzindo autocarros eléctricos, pequenos camiões de entrega, carros eléctricos e comboios ligeiros. Contudo, muitos mais serão necessários para a seguinte tarefa gigantesca.

O sector tem sofrido perdas de emprego por causa da automação a nível mundial, mas isso acontece porque as fábricas de automóveis estão focadas somente em receber matérias-primas, produzir peças de automóveis e montar os carros. Nós agora vamos precisar de trabalhadores para fazer o contrário: retirar carros do mercado, desmontá-los, identificar o máximo uso para todas as peças reutilizáveis e reciclar o que restar. Esta tarefa requer uma avaliação de peça por peça pelos técnicos qualificados, e não está automatizada no momento. Fechar o ciclo de vida dos carros em vez do sistema actual que produz lixo vai implicar dezenas de milhares de empregos. Para esse fim, o governo deve regular a produção e responsabilizar os produtores por todo o ciclo de vida dos carros, acompanhar as fábricas a transformar as suas actividades de acordo com isso, e garantir o salário e os direitos dos trabalhadores. De facto, uma transição justa nacionalmente planificada teria um impacto positivo no emprego. Como a indústria automóvel não é categorizada como parte do sector dos transportes, vamos excluir os números de emprego das nossas contas.

§9. Aviação: A Aviação é um dos sectores mais difíceis de descarbonizar.

Para sermos claros e directos, a aviação deve ser reduzida às necessidades extremas, como ajuda humanitária depois dos desastres naturais. Com as tecnologias existentes e prospectivas, a única opção viável de descarbonização dentro do prazo é reduzir a procura.19

A aviação civil beneficia de subsídios directos e indirectos pelo mundo inteiro, e é o único modo de transporte que não paga imposto de combustível. Isto criou, pelo menos na classe média dos países do Norte Global, a possibilidade de voos baratos. Contudo, só uma minoria tem acesso a aviões e uma maioria esmagadora dos voos são feitos por uma pequena fatia de frequent flyers.

Por um lado, é relativamente fácil eliminar toda a aviação doméstica em Portugal, como também os voos dentro da Península Ibérica. Comboios de alta velocidade explicados no §4.2, em conjunto com comboios internacionais com a Espanha, podem substituir todas as viagens aéreas na península. Isto deixa-nos com o tráfego aéreo entre o continente e as ilhas dos Açores e Madeira. Para curtas distâncias, aviões eléctricos já existem mas ainda não são comercialmente viáveis. Porém, a Noruega planeia introduzir aviões eléctricos para todos os voos domésticos em 2030 e compromete-se a ter todos os voos eléctricos até 2040.20 Isto pode dar-nos alguma esperança para descarbonizar essa última parte mas provavelmente não num futuro imediato.

Por outro lado, os voos internacionais diminuíram drasticamente durante a pandemia da COVID-19. Em Maio de 2020, a frequência dos voos caiu em quase 70% globalmente, com uma queda de 80 a 90% em países como a Itália, a Espanha, a Alemanha e a Suécia. Os números recuperaram durante o Verão mas, em Outubro de 2020, foram ainda metade dos níveis pré-pandemia globalmente e 70% abaixo dos níveis pré-pandemia nos países europeus. Isto tem vários significados: muitas viagens de trabalho foram transferidas para plataformas online; muitas pessoas optaram por fazer férias dentro dos seus países; muitos imigrantes não tiveram a oportunidade de ver as suas famílias; algumas conferências foram canceladas ou adiadas; algumas pessoas continuaram a viajar (uns 10% dos voos continuaram até nos momentos piores da pandemia, apesar de não estarem cheios); e trabalhadores da aviação perderam os seus empregos.

É difícil adivinhar que percentagem dos voos internacionais podem ser considerados como “essenciais” porque este termo é altamente subjectivo. Mesmo assim, a nossa única esperança para um sector descarbonizado de transportes é aumentar as opções de comboios de alta velocidade, cancelar todos os voos para ligações onde existe uma opção ferroviária, aumentar o tempo livre das pessoas por redução da semana de trabalho e aumentar os dias de férias anuais, e assim reduzir as viagens aéreas drasticamente permitindo mais tempo para viagens por outros modos.

Existem 8 mil trabalhadores de navegação e 6 mil trabalhadores de terra no sector de aviação, actualmente a decrescer por causa dos chamados esforços de reestruturação na TAP. Só uma minoria destes postos de trabalho seriam necessários num sector de transportes de zero emissões. Os restantes trabalhadores devem ser dirigidos ao sector ferroviário. No momento, o governo português possui todas as ferramentas administrativas e económicas para realizar uma transição justa no sector, o único elemento em falta sendo uma visão política baseada nas pessoas e no planeta.

Nós podemos justamente estimar zero emissões da aviação doméstica e metade das emissões da aviação internacional até 2030, sob um programa ambicioso de Empregos para o Clima acompanhado por esforços internacionais.

§10. Navegação aquática: O transporte marítimo é a área mais difícil de descarbonizar dentro do sector de transportes. Barcos eléctricos existem mas são úteis só para curtas distâncias ou viagens fluviais. Para navegação de longa distância, existem tecnologias baseadas no hidrogénio que usam amoníaco e metanol como combustíveis, que podiam dar-nos alguma esperança para o futuro mas no momento não são comercialmente viáveis. Reduzir a velocidade pode cortar o uso de energia em vinte a trinta por cento. Reduzir os cruzeiros turísticos seria benéfico para além dos cortes nas emissões, por exemplo na habitação e outros aspectos urbanísticos. Localizar a produção diminuiria o comércio de mercadorias, transferindo empregos nos portos para os sectores produtivos.

Nenhuma das medidas acima produzem empregos líquidos, e nenhuma pode ser atingida sem acordos internacionais. Estimamos que seria possível cortar as emissões da navegação aquática e em metade até 2030.

§11. O orçamento de carbono: O plano descrito acima pode descarbonizar o sector dos transportes em Portugal, e reduzir de forma significativa as emissões totais dos transportes (inclusive as emissões internacionais).

Mais é possível com novas tecnologias, com cooperação internacional, e outras mudanças sociais. Nomeadamente, produtos mais resistentes e políticas de direito-a-reparar cortam as emissões do comércio internacional; mais tempo livre e outros incentivos para viagens de terra reduzem voos; um sistema planificado de habitação (como residências universitárias públicas e residências perto dos locais de trabalho) reduz as necessidades de viagens, etc.

O impacto do nosso plano de Empregos para o Clima no sector dos transportes pode ser resumido assim:

Mt CO2eq

hoje

Mt CO2eq

2030

Aviação Doméstica

0,5

0,1

Aviação Internacional

4,2

2,1

Rodovia

16,4

0,0

Ferrovia

0,3

0,0

Navegação Aquática Doméstica

0,3

0,3

Navegação Aquática Internacional

2,7

1,1

Total Nacional

17,2

0,5

Total Geral

24,1

3,7

§12. Os empregos nos transportes: Excluindo os empregos criados em outras indústrias, excluindo os empregos criados a nível municipal ou nas freguesias, excluindo todos os empregos indirectos ou induzidos, e com estimativas relativamente conservadoras, o impacto líquido da descarbonização do sector dos transportes arredonda a 55 mil empregos.21

Abaixo está um resumo dos números apresentados nos parágrafos acima.

 

Empregos criados

Empregos perdidos

Impacto líquido no emprego

Ferrovia

Construção: 25 000

Serviços: 15 000

40 000

Rodovia

(camionistas empregados nas entregas de curta distância e nos autocarros públicos intercidades)

Transporte público urbano

Construção de metro: 17 000

Serviços de metro: 2 000

Serviços de autocarro: 10 000

29 000

Mobilidade partilhada

(~25 000 condutores de TVDE ou taxistas empregados como condutores nos sistemas municipais de mobilidade partilhada)

Aviação

14 000

-14 000

Navegação aquática
Total

69 000

14 000

55 000

 

Admitimos que metade destes empregos são na construção das ferrovias e portanto não seriam necessários depois do ano de 2030. (Isto ainda mais de 20 mil empregos líquidos.) Em 2030, alguns destes trabalhadores podem ser recrutados na manutenção técnica, outros podem encontrar emprego nas novas tecnologias emergentes de transportes, todos vão lembrar-se dos seus contributos na transição justa, porque não há empregos num planeta morto.

Por último, gostaríamos de enfatizar que todos os empregos acima-referidos são empregos públicos. De facto, para além dos 55 mil empregos, existem uns 40 mil empregos extra que actualmente são precários no sector privado que estariam no sector público no fim da transição.

§13. Uma nota em relação ao financiamento da descarbonização: O nosso plano implica investimento massivo nas infraestruturas, do qual o Plano Nacional de Investimentos 2030 do governo cobre uma pequena fracção. Muitos destes investimentos já são rentáveis porque produzem receita suficiente pelo serviço. Outros podem não o ser. Gostaríamos de assinalar que o critério de rentabilidade está na raiz do aumento uniforme das emissões dos transportes, e portanto não faz parte das nossas prioridades. Para muitas das medidas mencionadas acima, nós consideramos o transporte público sem tarifas ou parcialmente sem tarifas como uma opção de preferência.

Embora cada um dos projectos acima deva ter os seus respectivos orçamentos detalhados, prevemos que os custos de infraestrutura seriam aproximadamente 20 mil milhões de euros por ano ao longo de 10 anos. Seria preciso ainda financiamento para os recursos humanos. Contudo, pessoas empregadas deixam de receber subsídios de desemprego e em vez disso começam a pagar impostos. Mais serviços sob propriedade pública geram receita para o sector público. E finalmente, as importações de combustíveis equivalem a 7 mil milhões de euros por ano, que podem ser poupados pelos esforços de descarbonização.

§14. Outras interacções: Descarbonização do sector dos transportes produz benefícios em outros sectores da economia e em áreas para além das alterações climáticas.

§14.1. Energia e electricidade: O nosso plano reduz drasticamente a procura total de energia do sector dos transportes. Por um lado, isto tem impacto directo nas importações de combustíveis. Por outro lado, a procura de electricidade do sector aumentaria. Portanto, a descarbonização completa do sector dos transportes depende de um sector energético 100% renovável. Este assunto será abordado num outro capítulo do relatório Empregos para o Clima.

§14.2. Indústrias pesadas: Para resumir os impactos em outras indústrias, lembramos que o nosso plano implica a reorganização dos portos e zonas industriais (§4.2), um aumento na indústria de metalúrgica (§4.4), e uma reestruturação da produção na indústria automóvel (§8.2).

§14.3. Os benefícios de uma mobilidade limpa na saúde pública são numerosos. Aproximadamente 400 pessoas morrem em acidentes de viação todos os anos, enquanto mais de 40 mil ficam feridas. A poluição do ar mata 6 mil pessoas por mês em Portugal. Tempo gasto no trânsito congestionado tem custos psicológicos, do stresse até ao aumento na violência doméstica. Tudo isto, sem mencionar poluição sonora por causa dos carros e aviões.

§14.4. Os F-gases, abreviação para os gases flourados,22 têm sido introduzidos como substitutos para as substâncias que destroem a camada de ozono. Os F-gases são gases com efeito de estufa que resultam da refrigeração e ar condicionado, e equivalem a 3,4 Mt CO2eq de emissões anuais em Portugal. Isto é aproximadamente 5% das emissões totais, categorizadas sob processos industriais e uso dos produtos. Destas 3,4 Mt CO2eq, 34% vêm da refrigeração comercial, 28% do ar condicionado móvel, e 40% do ar condicionado estático.23 O nosso plano para um sector de transportes com zero emissões reduz directamente a refrigeração comercial porque elimina a noção do “supermercado como um frigorífico aberto” (§5.2.); e o ar condicionado móvel porque reduz o uso de carros individuais (§2 e §3). A última parte – ar condicionado estático – será abordada na secção do relatório dedicada aos edifícios.

§14.5. Mudanças no estilo de vida: Embora para a esmagadora maioria da população o plano dos Empregos para o Clima seria benéfico por causa do emprego, mobilidade aumentada e uma melhor qualidade de vida, reconhecemos que a nossa visão põe travões na mobilidade “on-demand” (como carros individuais e o ride-hailing) e nas viagens que são muito longas e muito rápidas ao mesmo tempo. Isto tem a ver com as fronteiras planetárias que nós como sociedade devemos evitar ultrapassar, mas isso deve ser acompanhado por outros benefícios. Dias de trabalho e/ou semanas de trabalho mais curtos podem criar incentivos para viagens terrestres.24 Regulamentação que obriga a produtos que duram e um direito-a-reparar pode reduzir emissões ligadas ao comércio internacional.25 Por último, acreditamos que conhecer outras culturas via experiências em primeira mão não só cria a possibilidade de um sentimento de comunidade global mas pode também catalisar uma cultura genuína de solidariedade perante a crise climática. Isto não pode acontecer num fim de semana de férias num bairro gentrificado.26 E de certeza não pode acontecer se todas as cidades se tornam parques de diversões turísticas, todas iguais umas às outras pelo mundo inteiro.

Resumindo, reconhecemos que certas mudanças culturais serão ainda necessárias para atingir um sector de transportes com zero emissões.

§14.6. Planeamento urbano: Criar novas linhas de eléctrico numa zona não só aumenta a acessibilidade dos os residentes dessa zona aos centros da cidade, mas também aumenta a acessibilidade destas zonas, o que por sua vez aumenta a qualidade de vida, segurança e dinamismo económico dos bairros pelos quais a linha passa.27

Por outro lado, o crescimento das cidades geralmente tem precedido o investimento nos transportes, que reduz a eficiência dos transportes e aumenta a necessidade do transporte individual. Um planeamento urbano integrado, articulando as necessidades de habitação, da actividade económica e da vida social, é fundamental para facilitar uma descarbonização do sector dos transportes.28

§15. O que falta: Neste trabalho, tivemos o objectivo de alcançar um esboço geral de um sector de transportes em Portugal com zero emissões e encontrar estimativas para emissões e emprego. A nossa visão é informada em primeiro lugar pela ciência climática mas também por uma perspectiva de justiça social. Vemos este trabalho como parte dos esforços contínuos pela sociedade civil para construir um plano social por uma transição justa. Aliás, reconhecemos que tais planos deviam ter sido feitos pelas instituições públicas e especialistas contratadas para esse fim – aproximadamente vinte anos atrás. Perante o falhanço total das instituições políticas em combater a crise climática, os movimentos sociais estão a assumir a liderança moral, social, política e também técnica. Este trabalho é um contributo incremental em comparação com o desafio à nossa frente. A nossa única expectativa é que seja um contributo líquido-positivo.


Agradecimentos

Este trabalho contou com a importante colaboração do Francisco Furtado, especialista em Transportes e Ferrovia e autor do livro “A ferrovia em Portugal: Passado, presente e futuro” no desenvolvimento do seu conteúdo, estrutura e fontes utilizadas.

Gostaríamos de também reconhecer que o enquadramento geral crítico do artigo, particularmente sobre rodovia, foi inspirado pelo artigo inovador da Trade Unions for Energy Democracy por Sean Sweeney and John Treat. Ver The Road Less Travelled: Reclaiming Public Transport for Climate-Ready Mobility, by Sean Sweeney and John Treat, Trade Unions for Energy Democracy, Working Paper No. 12.

Finalmente, queríamos também agradecer ao Pedro Nunes, especialista em Mobilidade Sustentável, que generosamente fez comentários a uma versão anterior deste artigo, que resultaram numa melhoria significativa na abordagem do mesmo.


1 Sem ter em conta os impactos extractivos duma tentativa de substituição desta forma, nomeadamente lítio, cobalto e manganês.

2 O Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 e o Plano Nacional Energia e Clima 2030 têm capítulos sobre transportes e mobilidade. Os transportes públicos não aparecem neles.

4 Utilizamos as palavras “procura alienada de energia” para significar a procura de energia que não corresponde a alguma necessidade verdadeira de energia. A procura então existe por causa da organização social irracional, nomeadamente quando a produção e a distribuição estão organizadas para maximizar o lucro em vez de satisfazer as necessidades humanas e ecológicas. A produção energética para publicidade ou para aparelhos electrónicos que devem ser comprados anualmente são bons exemplos de procura alienada de energia.

5 A reivindicação Mais Ferrovia da campanha Empregos para o Clima dá uma lista de linhas de alta prioridade.

6 Para estes números, utilizámos as estatísticas do Pordata.

7 A autoridade já anunciou que ultrapassou a linha de 5 mil trabalhadores mas provavelmente tinham muito menos pessoas no início da construção. Por isso, vamos manter o número de 4 mil.

8 Por exemplo, os guardas de passagem de nível têm sido menos essenciais com as passagens desniveladas. Ver Guardas de Passagem de Nível, por Carlos Cipriano.

9 Nomeadamente, quando dizemos que serão necessários comboios eléctricos, estamos a implicar que alguém vai ter de produzir a electricidade. Isto significa empregos no sector energético. No momento, estes são empregos de petróleo; nós queremos que sejam empregos nas renováveis. Mas isto é um outro sector e preferimos manter os sectores separados para evitar contas duplas. O mesmo se aplica aos empregos na indústria.

10 A reivindicação por uma Rodoviária Eléctrica Nacional explica como isto podia ser.

11 Uma situação semelhante acontece nos serviços postais privatizados. Os impactos reais da privatização são: acesso reduzido e/ou mais caro aos serviços nas áreas onde o serviço já é menos disponível, aumentando as desigualdades entre cidades e áreas menos populadas.

12 A reivindicação para uma Mobilidade Urbana Ferroviária da campanha Empregos para o Clima dá uma lista de linhas de metro e comboio suburbano de alta prioridade para as cidades de Lisboa e Porto.

13 Aqui e mais abaixo, para os números oficiais, utilizamos o relatório Ecossistema dos Metropolitanos em Portugal, 2012-2017 pela Autoridade da Mobilidade e dos Transportes, publicado em Maio de 2019.

14 Estas definições foram tiradas do livro Daniel Sperling, Three Revolutions: Steering Automated, Shared, and Electric Vehicles to a Better Future, Washington, DC: Island Press, Março de 2018, https://islandpress.org/books/three-revolutions.

Citadas no artigo The Road Less Travelled: Reclaiming Public Transport for Climate-Ready Mobility, by Sean Sweeney and John Treat, Trade Unions for Energy Democracy, Working Paper No. 12.

15 Um relatório identificou que na Cidade de Nova Iorque, noventa e nove porcento dos condutores dos TVDEs são imigrantes e para dois terços dos condutores conduzir é o seu único emprego.

16 Aqui, por zero energia queremos dizer energia não reflectida no balanço nacional de energia.

17 Um ângulo chave aqui é que a posse de um carro ou a disponibilidade de um carro partilhado pode ainda ser necessária em 2030, mas a necessidade de usá-lo deve ser minimizada.

18 Os estudos indicam que mesmo nos cenários em que os carros eléctricos penetram muito fortemente nas frotas, as metas sectoriais não são cumpridas; além disso, o número de carros eléctricos que é necessário colocar nas estradas é de tal forma alto que colocará muitas dificuldades no seu abastecimento. A conclusão de que a mobilidade eléctrica não permite cumprir as metas climáticas sectoriais é, pelos mesmos motivos, extensível a outras tecnologias automóveis, como a do hidrogénio ou a dos biocombustíveis.

19 O relatório “A Rapid and Just Transition of Aviation: Shifting towards climate-just mobility” preparado pela rede Stay Grounded discute uma transição justa para a indústria de aviação.

20 Actualmente, há voos dentro da Noruega para distâncias que são dobro da distância entre Lisboa e os Açores.

21 Uma análise que tem em conta o ciclo de vida completo dos veículos podia dar-nos melhores estimativas em termos de emprego, mas ao mesmo iria contra o método sectorial adoptado neste trabalho.

22 Existem quatro tipos de F-gases: hidrofluorcarbonos (HFCs), perfluorocarbonos (PFCs), hexafluoreto de enxofre (SF6) and trifluoreto de nitrogênio (NF3).

23 Os restantes F-gases vêm da refrigeração doméstica (3%), refrigeração industrial, refrigeração de transporte, ou outros usos de produtos.

24 A reivindicação por Trinta e Duas Horas Semanais da campanha Empregos para o Clima explica uma parte desta equação. O relatório Decrescimento da Aviação da rede Stay Grounded tem dois capítulos relacionados sobre Promover Alternativas e Mudanças Institucionais nas Políticas de Viagem.

25 A reivindicação Coisas Feitas para Durar da campanha Empregos para o Clima dá os contornos principais do combate à obsolescência programada.

26 Actualmente, um turista internacional passa em média 2,5 noites em Lisboa.

27 Um estudo preparado por Sintropher, Connecting European Regions using Innovative Transport, analisa os impactos económicos e financeiros do investimento na ferrovia ligeira no Noroeste Europeu.

28 No artigo David Banister (2007) Is Paradigm Shift too Difficult in U.K. Transport?, Journal of Urban Technology, 14:2, 71-86, DOI: 10.1080/10630730701531732 foi feita uma análise crítica dos sistemas de transportes no Reino Unido em relação às políticas climáticas, propondo uma mudança de paradigma no planeamento urbano.

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