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Descarbonizar a refinaria da Galp em Sines – Sinan Eden

A refinaria da Galp em Matosinhos está a ser “descarbonizada”. Agora a administração da empresa garante que a refinaria de Sines também integra planos para descarbonização, “transitando ao longo do tempo para um Parque de Energia Verde.”

Encerramentos à mercê das empresas são bastante conhecidos, em concreto em Sines, por causa da central termoelétrica da EDP.

O debate à volta dos encerramentos das infraestruturas é complexo por razões sociais, económicas, políticas e culturais. Por isso mesmo, devemos evitar respostas simples como “Ainda não.” ou “Sim, mas assim não.”, porque este tipo de respostas tiram-nos a capacidade reivindicativa por uma política energética compatível com a ciência climática. As perguntas que queremos explorar neste artigo são: Quais podiam ser os nossos termos para uma transição justa e rápida? Que reivindicações podemos defender activamente na refinaria da Galp em concreto?

Este artigo extensivo tenta fazer um ponto de situação do petróleo em Portugal e a refinaria da Galp, e apontar para possíveis caminhos duma transição justa guiada pela ciência climática, dirigida para justiça social e liderada pelos trabalhadores. Este artigo faz parte dum Estudo de Caso sobre Transição Justa em Sines que vai abordar outros temas e outras infraestruturas (existentes e planeadas) em artigos separados.

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§1. Petróleo em Portugal: Antes de mais, devemos começar com umas perguntas mais básicas. Qual é o ponto de situação de petróleo em Portugal?1 Como podemos construir um país livre de petróleo?

De acordo com os dados da Agência Internacional de Energia, consumimos 240 milhares de barris de petróleo por dia. Metade é para transporte doméstico, um quinto é para transporte internacional, outro quinto é usado diretamente na indústria. Em conformidade com isto, metade dos produtos petroleiros é gasóleo, um quinto é querosene (combustível para aviação), um décimo é gasolina e um outro décimo é gás liquefeito de petróleo (para aquecimento e cozinha). Os produtos petroleiros que não são combustíveis fazem 6% da procura total de produtos petroleiros.

Essencialmente, todo o petróleo que utilizamos é importado, mas as fontes variam do ano para o ano. De acordo com os dados da Comissão Europeia, em 2019, Angola (22%), Azerbaijão (11%), Arábia Saudita (11%), Rússia (11%), Brasil (10%) e Argélia (9%) faziam 75% das importações. Já em 2020, Brasil (26%), Nigéria (17%), Angola (10%), Arábia Saudita (10%) e Noruega (8%) formaram 70% das importações. Como podemos ver nesta lista, a importação do petróleo bruto é uma forma estrutural de apoiar regimes autoritários colaboradores das indústrias extrativistas.

Até 2021, o petróleo entrava pelo Porto de Sines e pelo Porto de Leixões, mas com o encerramento da refinaria de Matosinhos, o Porto de Sines ficará destacado na importação do petróleo bruto e na exportação dos produtos petroleiros. O impacto líquido do petróleo no comércio é de uma perda de 1,5 mil milhões de euros por ano.

No retalho, a Galp controla 30% do mercado sozinho. A Repsol, a Cepsa e a BP controlam outro 36%, o que faz com que dois terços do mercado seja controlado pelas empresas sócias da Apetro – Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas. Estas quatro empresas detêm também 62% das bombas de gasolina em Portugal.

Com isso, chegamos a uma conclusão relativamente óbvia, que é a forte conexão entre um Portugal livre de petróleo e a descarbonização do setor de transportes.

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§2. Descarbonizar o setor dos transportes: Nós precisamos de mobilidade, principalmente para ir ao trabalho ou às compras. Por isso precisamos, neste momento, do petróleo. Portanto, precisamos da refinaria. Assim, o Estado subsidia os preços da gasolina para conseguirmos viajar. Isto é um ciclo vicioso, criado e mantido pela própria Galp. (A Galp também diz que produz gasolina porque há procura no mercado.)

Nós precisamos de construir, e é possível construir, um setor de transportes com zero emissões em Portugal. Isto implica um investimento em ferrovia elétrica que permita criar uma rede de transportes de longa distancia para passageiros e mercadorias, que não seja completamente baseada no transporte rodoviário, mesmo que elétrico.

Esta discussão sobre a ligação entre os transportes e a refinaria é ainda mais icónica porque Sines tem a refinaria, tem o Porto, tem o oleoduto, mas não tem conexão de ferrovia para passageiros. Neste sentido, precisamos também uma rede de transportes que sirva Sines e o país. Mas por onde começar?

A criação de uma rede multimodal de transportes públicos que realmente responda às necessidades das populações é necessária para eliminarmos a dependência no carro pessoal. Essa rede deve ser construida com atenção ao contexto local, com planos construídos em contacto com as populações. Uma transformação da maneira de como nos transportamos é possível, e necessária para quebrar o ciclo da dependência do petróleo e descarbonizar a economia.

Os ciclos têm dois efeitos contraditórios. Por um lado, criam a sensação de impotência, porque dizem-nos que temos de intervir em todos os pontos do ciclo para termos um impacto eficaz. Por outro lado, como são ciclos, qualquer intervenção alimenta mudança em todos os outros pontos. Esperar é sempre uma má ideia, particularmente quando são as empresas privadas quem tem a iniciativa e o poder no setor energético.

Um plano de encerramento gradual e justo da refinaria pode encadear e acelerar mudanças nas outras áreas relacionadas com mobilidade e energia.

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§3. Os planos da Galp: A administração da Galp investe num ruído mediático a redor da palavra descarbonização.

Em circulação estão conversas sobre produção de baterias e processamento químico de lítio (a tal “refinaria do lítio”), hidrogénio verde e biocombustíveis.

§3.1. A refinaria de lítio é uma telenovela autêntica da Galp.

Depois de fundar uma associação empresarial de baterias de lítio (Batpower), a Galp saiu da mesma para avançar em parceria com a Northvolt. Apesar das conversações com a Savannah Resources (responsável pela extração do lítio na mina do Barroso, em Boticas) a continuarem, admite-se que será preciso importar lítio do Canadá, Brasil e Austrália. Este projeto era para criar 1500 empregos de acordo com o evento de lançamento, mas são mais provavelmente só 200 directos. Ah, e afinal tudo isto vai acontecer em Setúbal e não em Sines.

Em paralelo, um outro projeto (Agenda CVB – Cadeia de Valor das Baterias de Lítio) liderado pela Galp e pela Savannah Lithium está a concorrer aos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência para uma refinaria de lítio em Sines.

§3.2. Hidrogénio verde em Sines mereceu um artigo próprio.

O consórcio GreenH2Atlantic, formado pela EDP, Galp, Martifer e mais 10 empresas, ganhou um apoio de 30 milhões de euros dos fundos europeus para desenvolver um projeto de hidrogénio verde de 100 MW em Sines, com início de produção previsto em 2025. (A capacidade pretendida foi posteriormente aumentada para 200 MW.)

Ao mesmo tempo, o projeto Moving2Neutrality liderado pela Galp e Navigator concorreu aos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência para instalar um eletrolisador que irá gerar de hidrogénio renovável. Este último projeto refere ainda a biocombustíveis.

§3.3. Os biocombustíveis podiam ser a única forma tecnicamente viável para uma reconversão da refinaria existente, mas essa menção é sempre vaga e em passagem.

§3.4. A verdade é que os planos mencionados acima na verdade são todos planos de expansão. A Galp tem planos para diversificar o seu portefólio e consolidar o seu controlo no setor energético.

Nesse sentido, a empresa lançou também uma plataforma de inovação para guiar start-ups, scale-ups, empresas, universidades e investidores pela sua estratégia.

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§4. Os planos da Galp para a refinaria: A refinaria emprega aproximadamente 500 trabalhadores. Com o encerramento da refinaria de Matosinhos, toda a produção petroleira passará ser a quase exclusivamente em Sines.

A administração tem planos concretos de investimentos em energias renováveis e áreas relacionadas. Sabemos também que a Galp vai investir tanto em renováveis como em fósseis até 2025.

Uma expansão energética que liga os fósseis e as renováveis seria benéfica para os acionistas da Galp. Contudo, quando se fala realmente de encerramento, tudo fica esclarecido:

O Governo tem de trabalhar com empresas como a Galp para encontrar novas soluções”, defendeu o CEO, frisando que é necessário evitar que, no longo prazo, a refinaria de Sines tenha o mesmo destino que a de Matosinhos.

Ou seja: para os novos investimentos, é preciso apoio público e fundos europeus; para encerrar infraestruturas, é preciso apoio do Estado para encontrar novas soluções. Só quando é para distribuir lucros é que a Galp não precisa da ajuda do Estado.

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§5. Um plano de transição justa para a refinaria: Uma transição energética justa só será possível se for guiada pela ciência climática, dirigida pela justiça social e liderada pelos trabalhadores. As experiências em outros países (como no Reino Unido e na República Checa) já estão a desenhar o caminho por seguir. A experiência da central termoelétrica da EDP já desenhou o caminho por evitar.

No caso da refinaria da Galp em Sines algumas reivindicações imediatas, em vez de esperar pelo encerramento, seriam:

  • levantamento das competências e necessidades de todos os trabalhadores,

  • valorização e certificação das competências,

  • formação profissional em Empregos para o Clima que comece agora e que abranja todos os trabalhadores,

  • inclusão de cláusulas nos projetos de energias renováveis que obriguem a empregar os trabalhadores da indústria de combustíveis fósseis.

Para o processo do encerramento em si, algumas reivindicações seriam:

  • elaboração de um plano de transição justa baseado num diálogo social que privilegia os trabalhadores e as comunidades afetadas,

  • responsabilização da empresa pelos custos da transição,

  • salário completo até ao novo emprego,

  • compensações que correspondem às necessidades específicas, nomeadamente subsídio de desemprego mais prolongado para trabalhadores mais velhos e apoio à mobilidade geográfica no caso das regiões com baixa diversidade económica,

  • prioridade de emprego nos novos postos de trabalho na área.

Abrangendo toda esta luta está a reivindicação de criação de 200 mil Empregos para o Clima no setor público para cortar as emissões, dirigindo a transição energética duma forma planeada e democrática.


1 Em 2020, a COVID-19 impactou a produção e o consumo drasticamente, o que também implicou o encerramento da refinaria em Matosinhos porque a capacidade de Sines já antes da pandemia era bastante suficiente. O efeito ricochete em 2021 ainda não está muito coerente nas estatísticas e nas análises. Por isso, vamos principalmente utilizar os dados de 2019.

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